O programa que carrega o nome do ex-presidente americano, o Obamacare, continua de pé. Mas não sobrou muito mais que isso do legado de Barack Obama, quase um ano depois de sua saída da Presidência dos EUA.
Desde que assumiu, o presidente Donald Trump deu uma guinada em políticas ambientais, imigratórias, diplomáticas e fiscais do antecessor, destruindo ou comprometendo parte das iniciativas que marcaram o mandato do democrata.
"De fato, há uma chaga. Vai ser difícil reconstruir essas políticas num cenário de polarização como o atual", diz Rafael Ioris, professor da Universidade de Denver.
A Casa Branca comemorou o fim das "onerosas regras e regulações da era Obama", que "atrapalhavam a vida de americanos" ou eram um "mau negócio" para o país, conforme destacou no balanço de um ano de governo. A justificativa para a extinção dessas normas é a de proteger os interesses e a economia americanos, bem como marcar uma mudança de rumos.
Nos últimos meses, Trump anunciou a saída do Acordo de Paris sobre o clima; reverteu parte do histórico acordo com Cuba, ao restringir viagens e negócios entre americanos e cubanos; suspendeu o acordo nuclear com o Irã ; e deixou a Parceria Transpacífico, peça central da estratégia comercial americana.
Além disso, seu governo suspendeu dezenas de regulamentações federais, revogou a entrada de transgêneros nas Forças Armadas (ato do qual só recuou na sexta, 29, depois de sucessivos bloqueios da Justiça a sua aplicação), tornou facultativo o financiamento de métodos contraceptivos por planos de saúde e acabou com o princípio da neutralidade de rede —todos negociados durante o governo Obama.
"São elementos muito significativos. E o que restou está gradativamente sendo desmantelado, se não por ação legislativa, por ação executiva", afirma Geraldo Zahran, professor de relações internacionais da PUC-SP e coordenador do Opeu (Observatório Político dos Estados Unidos).
Parte das disposições de Trump ainda está sob escrutínio judicial: o decreto anti-imigração contra países de maioria islâmica, por exemplo, ficou meses em suspenso até uma decisão da Suprema Corte, em dezembro, que autorizou sua aplicação.
OBAMACARE
A grande promessa do presidente também não foi alcançada: anular o Obamacare, sistema de saúde criado em 2010 pelo antecessor.
A medida não passou pelo Congresso. Ainda assim, a administração de Trump conseguiu cortar verbas publicitárias do programa e reduzir o tempo para inscrição —apesar disso, 8,8 milhões de pessoas se cadastraram, uma queda de menos de 5% em relação a 2016.
No apagar do ano veio a aprovação da reforma tributária, que promete repercutir nas políticas públicas e impulsionar novas vitórias republicanas no Congresso, minimizando o legado democrata.
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A lei reduz o imposto de empresas e pessoas físicas, o que deve representar uma perda de US$ 1,5 trilhão em arrecadação nos próximos dez anos.
A promessa é que a mudança estimule a economia, mas democratas temem que ela encolha o orçamento federal e reduza verbas para programas sociais.
"Isso vai acabar com qualquer legado progressista que o Obama deixou", diz Zahran.
Derrubar ou alterar políticas de antecessores não é incomum na política. Mas o que impressiona no caso de Trump é a avidez com que ele ataca Obama e sua administração.
"É algo que pauta o governo dele", comenta Ioris, da Universidade de Denver.
O professor aponta um jantar oferecido por Obama na Casa Branca em 2011 como raiz do rancor trumpista. O hoje mandatário, que ainda ensaiava entrar para a política, era um dos convidados. A certa altura, o democrata fez uma piada com o magnata, chamando seu programa de TV ("O Aprendiz") de "Aprendiz de Celebridade".
Trump deixou o local breve e silenciosamente. Ao episódio é atribuída a precipitação de seu ingresso na política.
Ainda hoje, assessores da Casa Branca gostam de usar a frase "Obama jamais faria isso" para atiçar os brios do chefe. Durante a campanha, era comum que Trump se referisse ao democrata como "o pior presidente da história dos Estados Unidos".
"Normalmente, a retórica de campanha é muito mais agressiva do que a prática de governo. Mas Trump adotou posturas que surpreenderam muita gente pelo grau de mudança", diz Zahran.
Além das alterações legislativas e executivas, Trump também tem mexido no Judiciário, no que pode significar a pá de cal no legado de Obama. Somente neste primeiro ano, o republicano apontou 12 juízes para as cortes de apelação —contra três de Obama no mesmo período. A grande maioria tem perfil conservador e deve ficar nos tribunais por décadas.