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Em um ano, Donald Trump dissolve herança do governo de Barack Obama

Drew Angerer - 20.jan.2017/Getty Images/AFP
Donald Trump aponta para Barack Obama durante cerimônia de posse nos EUA, em 20 de janeiro
Donald Trump aponta para Barack Obama durante cerimônia de posse nos EUA, em 20 de janeiro

O programa que carrega o nome do ex-presidente americano, o Obamacare, continua de pé. Mas não sobrou muito mais que isso do legado de Barack Obama, quase um ano depois de sua saída da Presidência dos EUA.

Desde que assumiu, o presidente Donald Trump deu uma guinada em políticas ambientais, imigratórias, diplomáticas e fiscais do antecessor, destruindo ou comprometendo parte das iniciativas que marcaram o mandato do democrata.

"De fato, há uma chaga. Vai ser difícil reconstruir essas políticas num cenário de polarização como o atual", diz Rafael Ioris, professor da Universidade de Denver.

A Casa Branca comemorou o fim das "onerosas regras e regulações da era Obama", que "atrapalhavam a vida de americanos" ou eram um "mau negócio" para o país, conforme destacou no balanço de um ano de governo. A justificativa para a extinção dessas normas é a de proteger os interesses e a economia americanos, bem como marcar uma mudança de rumos.

Nos últimos meses, Trump anunciou a saída do Acordo de Paris sobre o clima; reverteu parte do histórico acordo com Cuba, ao restringir viagens e negócios entre americanos e cubanos; suspendeu o acordo nuclear com o Irã ; e deixou a Parceria Transpacífico, peça central da estratégia comercial americana.

Além disso, seu governo suspendeu dezenas de regulamentações federais, revogou a entrada de transgêneros nas Forças Armadas (ato do qual só recuou na sexta, 29, depois de sucessivos bloqueios da Justiça a sua aplicação), tornou facultativo o financiamento de métodos contraceptivos por planos de saúde e acabou com o princípio da neutralidade de rede —todos negociados durante o governo Obama.

"São elementos muito significativos. E o que restou está gradativamente sendo desmantelado, se não por ação legislativa, por ação executiva", afirma Geraldo Zahran, professor de relações internacionais da PUC-SP e coordenador do Opeu (Observatório Político dos Estados Unidos).

Parte das disposições de Trump ainda está sob escrutínio judicial: o decreto anti-imigração contra países de maioria islâmica, por exemplo, ficou meses em suspenso até uma decisão da Suprema Corte, em dezembro, que autorizou sua aplicação.

OBAMACARE

A grande promessa do presidente também não foi alcançada: anular o Obamacare, sistema de saúde criado em 2010 pelo antecessor.

A medida não passou pelo Congresso. Ainda assim, a administração de Trump conseguiu cortar verbas publicitárias do programa e reduzir o tempo para inscrição —apesar disso, 8,8 milhões de pessoas se cadastraram, uma queda de menos de 5% em relação a 2016.

No apagar do ano veio a aprovação da reforma tributária, que promete repercutir nas políticas públicas e impulsionar novas vitórias republicanas no Congresso, minimizando o legado democrata.

Editoria de arte/Folhapress

A lei reduz o imposto de empresas e pessoas físicas, o que deve representar uma perda de US$ 1,5 trilhão em arrecadação nos próximos dez anos.

A promessa é que a mudança estimule a economia, mas democratas temem que ela encolha o orçamento federal e reduza verbas para programas sociais.

"Isso vai acabar com qualquer legado progressista que o Obama deixou", diz Zahran.

Derrubar ou alterar políticas de antecessores não é incomum na política. Mas o que impressiona no caso de Trump é a avidez com que ele ataca Obama e sua administração.

"É algo que pauta o governo dele", comenta Ioris, da Universidade de Denver.

O professor aponta um jantar oferecido por Obama na Casa Branca em 2011 como raiz do rancor trumpista. O hoje mandatário, que ainda ensaiava entrar para a política, era um dos convidados. A certa altura, o democrata fez uma piada com o magnata, chamando seu programa de TV ("O Aprendiz") de "Aprendiz de Celebridade".

Trump deixou o local breve e silenciosamente. Ao episódio é atribuída a precipitação de seu ingresso na política.

Ainda hoje, assessores da Casa Branca gostam de usar a frase "Obama jamais faria isso" para atiçar os brios do chefe. Durante a campanha, era comum que Trump se referisse ao democrata como "o pior presidente da história dos Estados Unidos".

"Normalmente, a retórica de campanha é muito mais agressiva do que a prática de governo. Mas Trump adotou posturas que surpreenderam muita gente pelo grau de mudança", diz Zahran.

Além das alterações legislativas e executivas, Trump também tem mexido no Judiciário, no que pode significar a pá de cal no legado de Obama. Somente neste primeiro ano, o republicano apontou 12 juízes para as cortes de apelação —contra três de Obama no mesmo período. A grande maioria tem perfil conservador e deve ficar nos tribunais por décadas.


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