Folha de S. Paulo


Venezuela declara embaixador brasileiro 'persona non grata'

Federico parra/AFP
A presidente da Assembleia Constituinte venezuelana, Delcy Rodríguez, dá entrevista em Caracas
A presidente da Assembleia Constituinte venezuelana, Delcy Rodríguez, dá entrevista em Caracas

A Assembleia Constituinte da Venezuela declarou o embaixador do Brasil em Caracas, Ruy Pereira, persona non grata no país. A medida,na prática, equivale a uma expulsão.

Segundo a agência de notícias estatal venezuelana, a presidente da Constituinte, Delcy Rodríguez, afirmou que a declaração será mantida até que "se restitua a ordem constitucional que o governo [Michel] Temer rompeu em nosso país irmão, após a destituição da presidente Dilma Rousseff", referindo-se ao processo de impeachment em 2016.

Pereira está no Brasil; ele chegou nesta semana para passar os feriados de final de ano. Quando uma pessoa é declarada persona non grata, ela tem entre 24 e 72 horas para deixar o país. O embaixador brasileiro não poderá retornar à Venezuela enquanto se mantiver a declaração.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil não foi comunicado oficialmente. Em nota, o Itamaraty afirmou que o governo brasileiro tomou conhecimento de declaração. "Caso confirmada, essa decisão demonstra, uma vez mais, o caráter autoritário da administração Nicolás Maduro e sua falta de disposição para qualquer tipo de diálogo." O ministério afirmou que o Brasil "aplicará as medidas de reciprocidade correspondentes."

A Venezuela convocou seu embaixador em Brasília em maio de 2016, em protesto contra o processo de impeachment de Dilma Rousseff. No caso de medidas de reciprocidade, o encarregado de negócios (que assumiu a chefia de uma missão diplomática na ausência do embaixador) seria expulso.

Rodríguez também declarou o encarregado de negócios do Canadá, Craib Kowalik, persona non grata. No caso do diplomata canadense, "a medida é uma resposta a sua permanente, insistente e grosseira intromissão nos assuntos internos da Venezuela", afirmou.

A presidente da Assembleia Constituinte venezuelana indicou que, apesar de a chancelaria venezuelana ter pedido para que o funcionário respeitasse a Convenção de Viena, que rege as relações diplomáticas, o diplomata "persistentemente faz declarações" por meio do Twitter "com o intuito de dar ordens à Venezuela".

Rodríguez afirmou que o Ministério das Relações Exteriores fará os procedimentos para concretizar a declaração de persona non grata dos dois diplomatas.

Carlos Garcia Rawlins/Reuters
FILE PHOTO: Ruy Pereira, Brazil's Ambassador in Venezuela, attends a session at the National Assembly in Caracas, Venezuela, August 7, 2017. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins/File Photo ORG XMIT: VEN04
O embaixador do Brasil em Caracas, Ruy Pereira, em Caracas, declarado persona non grata

CRÍTICAS

A Assembleia Constituinte, convocada pelo ditador Nicolás Maduro e composta integralmente por seus aliados, dissolveu nesta quarta-feira (20) o distrito metropolitano de Caracas e do Alto Apure, em uma decisão que enfraquece a oposição, que, apesar da pressão do regime chavista, continuava a controlar a prefeitura e a Câmara de Vereadores da região da capital venezuelana.

O governo brasileiro condenou a decisão, assim como a iniciativa da Constituinte que obrigará partidos de oposição a passarem por revalidação para concorrerem às eleições, no que chamou de "continuado assédio" do regime. "São medidas que desmentem o anunciado interesse em buscar uma solução negociada e duradoura para a crise."

Na quinta-feira (21), o presidente brasileiro Michel Temer falou sobre a Venezuela na abertura da reunião de cúpula do Mercosul, em Brasília. Ele disse que o país foi suspenso do bloco porque "colocou em xeque" direitos fundamentais. Segundo Temer, quando a nação venezuelana voltar à democracia, poderá regressar também ao Mercosul e será "recebida de braços abertos".

Ruy Pereira, o embaixador brasileiro em Caracas, escondeu um juiz venezuelano em embaixada em Caracas por 60 dias, conforme revelado pelo jornal "O Globo". O juiz Idelfonso Ifill Pino alegava perseguição pelo regime do ditador Nicolás Maduro e se abrigou na sede da diplomacia brasileira em Caracas enquanto organizava sua fuga por terra para a Colômbia.

O diplomata brasileiro tentou articular com autoridades venezuelanas a concessão de um salvo-conduto para que o magistrado pudesse deixar o país, mas o governo Maduro rejeitou a solicitação. O juiz deixou a Venezuela clandestinamente e cruzou a fronteira com a Colômbia de carro.

Em setembro do ano passado, o Brasil havia convocado o embaixador para consultas, depois de Pereira se indispor com o governo Maduro por causa de críticas de autoridades brasileiras ao regime. Pereira havia voltado ao posto em julho deste ano. Na época, o Itamaraty argumentou que era melhor manter o diplomata lá para preservar a capacidade de interlocução com o governo Maduro.

O Brasil liderou o esforço para suspender a Venezuela do Mercosul em 2016, com apoio do Paraguai. Na época, a Argentina relutava, porque a chanceler Susana Malcorra era candidata à secretaria-geral da ONU e não queria criar fricção, assim como o Uruguai, por causa da coalizão governista de esquerda Frente Ampla, que defendia Maduro.

Em 5 de agosto deste ano, a Venezuela voltou a ser suspensa do bloco, desta vez por "ruptura da ordem democrática".

Três dias depois, o Brasil e outras 11 nações assinaram a carta de Lima, que determina que os países não aceitarão decisões tomadas pela Assembleia Constituinte convocada por Maduro como forma de enfraquecer a Assembleia Nacional, dominada pela oposição.


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