Folha de S. Paulo


Câmara argentina aprova reforma da Previdência em meio à greve geral

A Câmara dos Deputados argentina aprovou na madrugada desta terça-feira (19) o projeto de lei da Previdência, após uma sessão de mais de 12 horas, com diversos incidentes do lado de fora do edifício do Congresso.

Além da violência entre manifestantes e as forças de segurança, houve panelaço em vários bairros de Buenos Aires. Em alguns, como Palermo e Centro, houve concentração de pessoas batendo panelas até por volta da 1h da manhã (2h no horário de Brasília).

A aliança Cambiemos, junto a partidos aliados, conseguiu 128 votos a favor; houve 116 votos contra e apenas duas abstenções. Como o texto já havia passado pelo Senado, agora volta a essa casa apenas para aprovar modificações e votar pequenas mudanças. Na prática, a lei já está aprovada.

A reforma muda o cálculo de aposentadorias, de pensões e da Quota Universal por Filho –um programa de assistência social parecido com o bolsa-família criado durante o kirchnerismo. Antes, esse cálculo era reajustado a cada trimestre, usando vários índices, entre eles a evolução dos salários e a arrecadação tributária. Agora, pretende-se usar apenas o índice de inflação, com reajuste semestral.

O governo pretende poupar 60 bilhões de pesos (R$ 11,2 bilhões) em 2018 por meio dessa nova legislação.

Para que a sessão fosse um sucesso para o governo, o presidente Mauricio Macri realizou várias jornadas de conversas com os governadores de províncias aliados ao governo para que convencessem suas bancadas no Congresso. Uma tentativa de aprovar a lei na semana passada acabou frustrada por conta da violência do lado de fora e de intensos bate-bocas dentro do recinto.

O presidente da Câmara, Emílio Monzó, então transferiu a sessão para esta segunda-feira (18).

A jornada do lado de fora do Congresso foi violenta. No começo da manhã de terça-feira, segundo dados oficiais, havia 162 feridos, entre eles 88 policiais, e 61 pessoas detidas.

Por volta das 23h de segunda (meia-noite no horário de Brasília), começou a ouvir-se, em vários bairros, ruídos de panelas. O famoso "cacerolazo" se espalhava pela capital. Ainda por volta desse horário, uma pequena multidão se juntou na avenida 9 de Julio e dali caminhou junta até diante do Congresso, batendo panelas. A essa hora, já não eram as organizações de trabalhadores ou sindicatos, que tinham se dispersado devido às ações das forças de segurança, mas sim famílias e cidadãos comuns.

"Não estou acreditando que isso está acontecendo. E nós confiamos neles", dizia Juan Neri, que afirmou ter votado nos legisladores da aliança Cambiemos, mas que hoje estava decepcionado. "Vivemos das aposentadorias minha e da minha mulher. Agora ambas vão diminuir e vamos ter de pedir ajuda aos nossos filhos."

Num café 24h perto do Congresso, pessoas atentas seguiam os longos discursos dos deputados. "Eles falam contra, fazem mil ressalvas, mas no fim, aprovam. Usam o espaço que têm para falar para fazerem propaganda de si mesmos, e depois votam a favor, como manda o governo, como o não aparece o nome no painel, você não fica sabendo", dizia, nervoso, o dono de um estabelecimento que tinha deixado as portas fechadas durante o dia, por conta das manifestações, mas que reabrira às 23h, porque os frequentadores do local queriam ver a votação.

O chefe da bancada da aliança Cambiemos, Raúl Negri, disse que, como a votação foi ajustada, "nos próximos dias, o governo terá de explicar bem de que se trata a nova lei, conversar com os argentinos. Porque não pode parecer só que estamos tirando benefícios e sim explicar que estávamos mantendo um sistema em terapia intensiva por anos, e que não tínhamos mais como seguir pagando."

Os sindicatos farão nova reunião às 15h (16h no Brasil) para decidir se retomam a greve geral, que ficaria em vigor até ao meiodia desta terça-feira (19), a princípio.

Na manhã de terça, não funcionavam nem trens, nem ônibus nem o metrô e a maioria dos comércios estava fechada.

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ARGENTINA REFORMA SUA PREVIDÊNCIA
Veja quais os principais pontos da nova lei

Fórmula de Reajuste

Como era - Benefícios eram reajustados semestralmente por fórmula que levava em conta a alta dos salários (50%) e da arrecadação (50%)
Como fica - Benefícios serão reajustados trimestralmente por fórmula que leva em conta a inflação (70%) e a alta dos salários formais (30%)

Bônus Compensatório
Para compensar a perda com a mudança da fórmula, haverá um pagamento único a 10 milhões de pessoas, em março de 2018

Aposentadoria mínima
Trabalhadores que se aposentarem com 30 anos de contribuições terão garantida a aposentadoria mínima que corresponde a 82% do salário mínimo

Idade de Aposentadoria

Mulheres
Como era - Podiam se aposentar a partir dos 60 anos, com 30 anos de contribuição; era obrigatório se aposentar aos 65
Como fica - Podem se aposentar a partir dos 60 anos, com 30 anos de contribuição; torna-se obrigatório se aposentar aos 70

Homens
Como era - Podiam se aposentar aos 65 anos, com 30 anos de contribuição
Como fica - Podem se aposentar a partir dos 65, com 30 anos de contribuição; torna-se obrigatório se aposentar aos 70

*Regra só vale para trabalhadores do setor privado

17 MILHÕES
de pessoas recebem benefícios como aposentadorias, pensões e Quota Universal por Filho (similar ao bolsa-família)

13%
do PIB argentino, aproximadamente, é gasto com a Previdência

Fonte: "Clarín" e "La Nación"


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