Folha de S. Paulo


Presidente do Peru vive 'tempestade perfeita', diz professor de Harvard

Para Steven Levitsky, 49, professor de Harvard especialista em América Latina, e em Peru em particular, o que o presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, está vivendo é uma "tempestade perfeita".

Porém, o cientista político crê que, se o presidente peruano for removido do cargo nesta semana, "será [um desdobramento] muito injusto, pois não se terá respeitado o devido tempo legal".

Palácio de Governo do Peru/Reuters
O presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, dá entrevista no palácio presidencial em Lima
O presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, dá entrevista no palácio presidencial em Lima

Nesse caso, segundo ele, haverá mais semelhanças com o "que foi feito com Fernando Lugo, no Paraguai, derrubado em questão de horas, do que com o 'impeachment' de Dilma Rousseff, que, por mais que tenha sido questionável, obedeceu a um processo institucional".

Para Levitsky, a situação de PPK é muito frágil por várias razões. "Primeiro porque as instituições peruanas nunca se recuperaram do período fujimorista (1990-2000), a Justiça é frágil e não há mais partidos. Os partidos morreram em 1999", afirmou.

"Sobrou uma sombra do APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana), de Alan García, mas com representação pífia. Não existe no Peru um sistema político como no Brasil, que, apesar da crise, resiste, e tampouco há confiança da sociedade nos partidos que aí estão."

Essa falta de credibilidade das legendas, observa Levitsky, vem de antes do escândalo da Odebrecht; constitui um problema histórico do Peru. "Hoje, a crença das pessoas nos partidos no mundo é baixa, mas no Peru ela sempre o foi. E hoje é ainda menor."

Para Levitsky, a única corrente com força no Peru é o fujimorismo. Porém, o cientista político acredita que essa ala "não tem um plano claro para o país, nem sabe o que fazer com o imenso poder que possui no Congresso".

Para ele, será difícil que se reorganize a aliança entre diversas forças políticas que foi armada para evitar que Keiko Fujimori vencesse as eleições de 2016. Por outro lado, acha que os próprios irmãos Fujimori (Keiko e Kenji) não sabem como fazer para que a Lava Jato não os atinja, porque também há denúncias que envolvem as campanhas de Keiko (2011 e 2016).

"É uma situação muito difícil. Eu compararia com a falta de rumos que viveu a Argentina, por um bom tempo, depois da queda de Fernando de La Rúa [2001]", disse.

"Acho até que Kuczynski poderia sair, pois, além da questão da corrupção, mentiu repetidamente aos peruanos, dizendo que não estava envolvido e está. Ainda assim, seria muito injusto que isso ocorresse antes do Natal, rapidamente e sem um processo legal limpo e transparente, que demorasse o tempo que a Justiça demanda."

Indagado sobre um cenário já sem PPK, Levitsky crê que os fujimoristas continuarão sua pressão sobre quem o substitua, que pela lei poderiam ser Martín Vizcarra, o primeiro vice-presidente, ou Mercedes Araóz, a segunda.

"Se for Vizcarra, há mais chance de ele ser manipulado pelos fujimoristas e, assim, quem sabe até seguir no cargo até o fim do mandato, mas obedecendo a eles. Com Araóz é mais incerto. Penso que os fujimoristas pressionariam por realizar eleições. Mas isso contrariaria a Constituição."

Levitsky crê que a palavra "golpe" não deveria ser usada em casos como os de Lugo, Dilma e, possivelmente, PPK. "Hoje há mais sutilezas nessas movimentações. Ou seja, é preciso mais atenção da sociedade para que ocorram dentro da lei. Tirar um presidente de um cargo é um ato violento e não pode virar uma banalidade sem que se investiguem as coisas a fundo."

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ENTENDA
Como o presidente do Peru pode ser deposto

Apresentação
A moção de vacância deve ser assinada por ao menos 26 dos 130 deputados para ir adiante (este passo foi cumprido na sexta)

Admissão Pelo menos 52 legisladores devem aprovar o pedido de deposição para que ele seja votado no plenário (isso deve ocorrer no dia 21)

Derrubada
Após três sessões de debates, ocorre a votação; o presidente é deposto se houver ao menos 87 votos (2/3 da Câmara); não há obrigação de um discurso de defesa do mandatário


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