Folha de S. Paulo


Racha em partido dificulta plano de Abe para mudar Constituição do Japão

A campanha do primeiro-ministro Shinzo Abe para revisar a Constituição que os norte-americanos criaram para o Japão depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) encontrou seu primeiro obstáculo: o partido que ele lidera não consegue chegar a acordo sobre como reformar a cláusula que manteve o país pacifista pelas últimas sete décadas.

Os legisladores do Partido Liberal Democrata (PLD) estão em conflito sobre como reformar o Artigo 9 da Constituição, que renuncia à guerra, mas o primeiro-ministro continua com seus esforços para fortalecer as Forças de Autodefesa japonesas, adquirindo armas norte-americanas com o incentivo do presidente Donald Trump.

Kazuhiro Nogi - 29.nov.2017/AFP
Pedestre observa noticiário sobre lançamento de mísseis norte-coreano em vitrine de Tóquio
Pedestre observa noticiário sobre lançamento de mísseis norte-coreano em vitrine de Tóquio

O ministro da Defesa, Itsunori Onodera, apresentou uma proposta de orçamento de US$ 46 bilhões, ou 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) japonês, para o ano que vem, excedendo em muito o tradicional limite de 1% do PIB para gastos com defesa.

Grande parte do aumento de verba seria destinado a comprar mísseis de cruzeiro de longo alcance, capazes de atingir bases inimigas —uma proposta controversa enquanto o Japão continua restrito pela Constituição em vigor a combater apenas em autodefesa.

"Os esforços de revisão constitucional de Abe seriam um momento histórico em um esforço dos conservadores, que já dura décadas, para conduzir o Japão ao que eles veem como posição mais 'normal' para um país", disse Jennifer Lind, especialista em assuntos japoneses no Dartmouth College.

A mudança causa controvérsia em outros países da região, principalmente a China. Por isso, Abe deve tomar cuidado para que a revisão assegure o equilíbrio do poder na região, disse Lind.

"Se Abe e outros conservadores discutirem a revisão usando retórica que envolva 'restaurar a grandeza do Japão', isso não só alarmaria a China mas muitos outros povos da região e em todo o planeta", ela disse.

LEGISLATIVO

A revisão requereria o apoio de dois terços dos integrantes nas duas câmaras da Dieta, ou Legislativo —ambas controladas pelo PLD e pelo Komeito, seu parceiro de coalizão— bem como aprovação em referendo por maioria simples.

Abe quer acrescentar um terceiro parágrafo ao artigo 9º da Constituição. Em seu primeiro parágrafo, afirma que "o povo japonês renuncia à guerra para sempre" e, no segundo, diz que o Japão "não manterá forças terrestres, navais e aéreas ou outras formas de potencial bélico".

A intenção com o aditivo é reconhecer e legitimar as Forças de Autodefesa. Mesmo dentro do PLD, existem divisões quanto à proposta —um terço do partido acredita que ele contradiria a proibição existente à manutenção de "potencial bélico".

Só após um consenso que a sigla pretende apresentar a iniciativa ao Komeito, no qual muita gente questiona o porquê da revisão. "Não consideramos que as Forças de Autodefesa sejam inconstitucionais, e acredito que a maioria do Japão tampouco", disse Kazuo Kitagawa, líder da comissão constitucional do partido.

Dada a dificuldade de consenso, a reforma não deve acontecer antes de 2020, como previa Abe, e o primeiro-ministro ainda enfrentará uma série de eventos até lá.

No ano que vem ele passará por eleição interna no PLD para se manter no cargo e em 2019 haverá a abdicação do imperador Akihito e as eleições para Câmara Alta do Legislativo. Por fim, os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020.

"Será muito difícil encontrar o momento certo", disse Sota Kimura, professor de direito constitucional na Universidade Metropolitana de Tóquio.

Para ele, o governo não vai querer atrapalhar a abdicação, mas não quer correr o risco de perder a maioria de dois terços na Dieta. "Por isso, tenho certeza de que existem pessoas que sentem a necessidade de acelerar a reforma e propor o anteprojeto de revisão à Dieta antes disso", disse Kimura.

Pesquisas mostram que os japoneses estão divididos quanto ao plano de Abe. No levantamento do jornal conservador "Yomiuri", pouco menos da metade aprovava a revisão, contra 40% contrários.

COREIA DO NORTE

A parcela a favor da mudança vem subindo lentamente à medida que a Coreia do Norte testa novos mísseis lançados na direção do Japão. Na primeira tentativa de revisão constitucional, em 2015, houve imensos protestos em Tóquio.

Enquanto não concretiza seu plano, Abe tenta estender os limites da Constituição atual. Na semana que vem, ele deve aprovar a compra de três tipos de mísseis terra-ar, expandindo a capacidade de suas forças aéreas.

Em visita a Tóquio, em novembro, Donald Trump incentivou o Japão a comprar "imensas" quantidades de equipamentos militares norte-americanos a fim de "abater dos céus" quaisquer mísseis norte-coreanos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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