Direto de Alameda, uma ilha real na costa da Califórnia perto do Vale do Silício, o autor Joe Quirk, fundador do Seasteading Institute e entusiasta da criação de cidades flutuantes, deu esta entrevista ao som de ondas quebrando e berros de gaivotas.
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Folha - Como surgiu a ideia de criar cidades no meio do mar?
Joe Quirk - Muitas pessoas no mundo já estavam trabalhando nisso em paralelo até começarem a se encontrar. Toda a humanidade se move em direção às cidades, e a maioria dessas cidades fica na costa. Então a narrativa era que vamos migrar de cidades abarrotadas para ilhas flutuantes, tendo os oceanos como via expressa comercial.
Se tivermos 1 bilhão de pessoas vivendo em cidades flutuantes até 2050, poderemos resolver muitos problemas.
Faz quase dez anos que você trabalha com essa ideia e agora ela pode virar realidade. Por que escolheram a Polinésia Francesa para laboratório?
Primeiro porque é um paraíso. Qualquer ponto que você olha parece um descanso de tela ou um cartão-postal.
É um dos lugares mais calmos do oceano, com águas rasas azul-turquesa e barreiras naturais que amortecem o impacto das ondas, como paredões de coral. Não há qualquer risco de tsunami, e o arquipélago é quase do tamanho da Europa, o que nos dá muito espaço para ocupar nesse novo continente azul.
Eles também olham para frente ali e já estavam testando ideias para lidar com o aumento do nível do mar, então quando fomos lá conversar não reagiram como se todo o projeto fosse coisa de doidos.
Como funciona uma ilha flutuante e quanto isso vai custar?
Vista da terra firme, essa primeira ilha vai ter a mesma cara que qualquer outra ilha, mas vai ser 100% autossustentável, gerando sua própria energia solar e eólica. Estamos investindo agora US$ 60 milhões [R$ 200 milhões]. Teremos até um restaurante com paredes de vidro no subsolo para que as pessoas possam observar a vida marinha.
O estopim do projeto foi uma preocupação com o aumento do nível da água dos oceanos, mas o sonho ficou maior?
Não estamos só provocando. Queremos mostrar que mundos melhores são possíveis, então o objetivo de tudo isso é superar a política, que não funciona. Vamos dar o primeiro exemplo fabuloso de como deve ser a sociedade.
É usar a sensibilidade do Vale do Silício para criar governos que funcionam como uma start-up, acabando com o problema de governos tradicionais que nunca inovam e são propensos a falir. Precisamos de pequenas nações start-up na água, cada uma testando seu app de governo.
Steve Wozniak vendeu cinco vezes sua ideia de um computador pessoal para a Hewlett-Packard, que recusou a proposta cinco vezes, e então ele fundou a Apple. Boas ideias surgem o tempo todo, mas não são postas em prática. Nós poderíamos não ter a Apple hoje, mas em vez disso queremos desenvolver algo como os 'iPhones do mar'.
Suas ilhas então dariam fim ao modelo de Estado-nação? Você imagina uma utopia política de ilhas solitárias à deriva?
Nossa ideia parece abstrata, mas temos como precedente os navios de cruzeiro. Eles são verdadeiras cidades flutuantes e são fabulosos porque as pessoas podem ficar no barco ou trocar de barco. Monopólios são ruins para o consumidor e hoje há um monopólio na indústria mais importante, que é o governo. Em geral, eles tendem a ser muito caros e funcionar mal.
O único motivo de usarmos as palavras capitalismo e comunismo até hoje é não termos mais escolhas, mas há uma gama enorme de soluções. Utopias são ótimas e ainda hoje vivemos em utopias. Nova York é uma utopia criada por europeus que fugiram e ocuparam uma ilha chamada Manhattan.
Nossa "azultopia" é que as ilhas enriqueçam fazendo comércio umas com as outras. E as comunidades serão desmontáveis, o que significa que, se você não gosta da ilha Trump ou da ilha Obama, é possível se desprender dela e navegar na direção contrária. Elas serão como os cruzeiros.
Um desses cruzeiros poderia atracar no Brasil no futuro?
O Brasil é uma enorme Hewlett-Packard. Poderia ser o país mais rico do mundo, mas a única coisa que o puxa para trás é um mau governo. Se pudéssemos construir uma ilha na costa de Florianópolis talvez déssemos um bom modelo para mudar a administração, do mesmo jeito que Hong Kong mudou o governo da China. Quando algo avança, não é porque um governo está punindo o povo. É porque alguém inventou uma tecnologia que melhora a sua vida.