Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Guerra civil no Iêmen arrisca paz mundial enquanto destrói o país

Mohammed Huwais/AFP
Huthi rebel fighters are seen riding a tank outside of the residence of Yemen's former President Ali Abdullah Saleh in Sanaa on December 4, 2017. Yemen's rebel-controlled interior ministry announced on December 4 the
Rebeldes houthis com tanque junto à casa do ex-presidente Ali Abdullah Saleh, morto nesta segunda (4)

A guerra civil do Iêmen, um conflito sangrento e carregado de tintas tribais, encerra um dos grandes riscos atuais não só à paz mundial, mas também à economia global.

Ao estilo do que ocorria na Guerra Fria, quando Estados Unidos e União Soviética se enfrentavam por procuração, a tragédia iemenita está inserida na disputa geopolítica entre Arábia Saudita e Irã.

A morte do ex-presidente Ali Abdullah Saleh só fará piorar as coisas, ainda que suas circunstâncias precisas ainda tenham de ser conhecidas. Personagem típico das nações do Oriente Médio na segunda metade do século 20, Saleh era um autocrata que mudava de lado conforme conveniências políticas.

Após ser derrubado pela versão local da Primavera Árabe em 2011, Saleh deixou seus aliados sauditas em favor de uma aliança com os rebeldes houthis. Xiitas apoiados pelo Irã, centro deste que é o segundo maior ramo do islamismo, eles conseguiram expulsar da capital o presidente que sucedeu Saleh, Abdrabbuh Mansur Hadi —aliado da Arábia Saudita, reino líder entre os aderentes do sunismo majoritário da religião.

Isso ocorreu em 2015, quando Riad resolveu apoiar Hadi com uma intervenção militar com apoio de aliados do Golfo Pérsico como os Emirados Árabes Unidos. O resultado foi a destruição de um país já miserável, com pelo menos 9.000 mortos e milhões de pessoas dependendo de ajuda externa para sobreviver.

Como Saleh aparentemente virou a casaca novamente, voltando-se para os antigos amigos sauditas, acabou morto. Isso elevará o tom dos discursos em Riad contra Teerã, a quem acusa de fomentar a guerra ao armar e financiar os houthis.

Toda a confusão só aumenta o risco de confronto direto entre dois países que estão no topo da produção mundial (dominam cerca de 15% do mercado juntos), o que por óbvio coloca em risco o preço do produto em todo o globo.

Esse temor, contudo, deve ser atenuado pelo fato de que a Arábia Saudita, a despeito de ter muitos armamentos modernos, é considerada por analistas militares como um país despreparado para a guerra. Já o Irã, em que pese a obsolescência de boa parte de sua força, possui a experiência de oito anos de combate com o Iraque e um sofisticado programa de mísseis balísticos.

O desempenho das forças sauditas contra os rebeldes houthis tem sido insuficiente, e os xiitas ocupam a maior parte da capital, Sanaa.

Além disso, a Arábia Saudita está em plena convulsão interna, com o príncipe herdeiro promovendo um expurgo na família real para consolidar o poder do seu ramo. Muhammad bin Salman, conhecido como MBS, pode até intensificar os combates no Iêmen como forma de fortalecer sua posição, mas daí a arriscar uma guerra aberta com Teerã há um espaço razoável.

Enquanto isso, o que sobra do Iêmen vai sendo destroçado, naquilo que a ONU considera a principal emergência humanitária do mundo hoje.


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