Não faz muito, Carlín, o mais badalado caricaturista peruano, publicou no jornal "La República" um charge que mostrava Jorge Barata, ex-superintendente da Odebrecht no Peru, preparando-se para discursar em um banquete a cuja mesa sentavam-se Alejandro Toledo, Alan García, Ollanta Humala, Keiko Fujimori e Pedro Pablo Kuczynski.
Todos batem as mãos contra a mesa e gritam em coro: "Que no hable/que no hable" (que não fale).
Tarde demais: não só Barata já falou como também o fez seu chefe, Marcelo Odebrecht, do que resultou um cenário de corrupção política ainda mais abrangente do que o apurado pela Lava Jato no Brasil: todos os presidentes peruanos deste século (os que estavam à mesa na charge de Carlín) mais a principal líder opositora, Keiko Fujimori, estão citados como receptores de doações/subornos da construtora brasileira.
Ernesto Benavides/AFP | ||
O ex-presidente do Peru OIlanta Humala é conduzido pela polícia à prisão após passar por tribunal |
Keiko, aliás, é filha de Alberto Fujimori, que fechou o século passado no cargo de presidente. Ele governou o Peru entre 1990 e 2000 e cumpre pena de 25 anos de prisão por corrupção e crimes contra a humanidade.
É Keiko, aliás, quem fecha o círculo de denúncias: a manchete desta sexta-feira (1) do jornal "La República" reproduz denúncia de Úrsula Letona, deputada da Força Popular, a coalizão fujimorista, segundo a qual "pessoas vinculadas a Marcelo Odebrecht" queriam reunir-se com Keiko para oferecer a ela "US$ 2 milhões (R$ 6,5 milhões) para sua campanha presidencial" (ela perdeu em 2016 para Kuczynski).
A denúncia apenas corrobora o que o próprio Marcelo dissera a procuradores peruanos aos quais depôs no mês passado em Curitiba: deixou claro, então, que não só contribuíra com Keiko antes, como queria fazer um novo aporte.
Keiko reagiu furiosamente, mas a declaração de uma deputada de seu próprio grupo só reforça a suspeita, de resto disseminada no Peru.
Marcelo também informou que a Odebrecht contratara o atual presidente, mais conhecido como PPK, como consultor financeiro, logo que Kuczynski deixou de ser ministro do então presidente Alejandro Toledo (2001-2006).
Kuczynski nega, assim como todos os envolvidos.
Toledo está condenado a 18 meses de prisão preventiva, acusado de tráfico de influência e lavagem de ativos, por ter supostamente recebido um suborno de US$ 20 milhões (R$ 65 milhões) da Odebrecht, para favorecê-la na concorrência para a construção da Rodovia Interoceânica Sul, que une Brasil e Peru.
Como Toledo está nos Estados Unidos, corre pedido de extradição.
Alan García (2006-2011) também aparece, como AG, na delação de Marcelo Odebrecht e, com mais elementos ainda, na apuração da polícia espanhola sobre a intermediação de um banco de Andorra para recebimento de propinas/lavagem de dinheiro.
Segundo minuciosa reportagem de "El País", Miguel Atala Herrera, ex-vice-presidente da estatal "Petróleos del Perú", foi designado pelo gabinete de García para receber US$ 1,3 milhão (R$ 4,2 milhões) da Klienfeld, uma das firmas utilizadas pela Odebrecht para pagar subornos.
O único ex-presidente que está preso, por enquanto, é Ollanta Humala (2011-2016), acusado de lavagem de dinheiro e de associação ilícita. Teria recebido USS$ 3 milhões (R$ 9,8 milhões) da Odebrecht como parte do financiamento da campanha eleitoral de 2011.
Júlio Barata, o ex-representante da firma no Peru, declarou aos procuradores peruanos que recebera ordens de Marcelo Odebrecht para efetuar o pagamento, por solicitação expressa do Partido dos Trabalhadores do Brasil ao então principal executivo da companhia.