Folha de S. Paulo


Após discussão, britânicos pressionam May para cancelar visita de Trump

Um deputado britânico o chamou de "fascista". Outro o descreveu como um "idiota". Um terceiro se perguntou em voz alta se o presidente Donald Trump era "racista, incompetente ou insensato —ou os três juntos".

A enxurrada de críticas que começou depois que Trump compartilhou vídeos contra muçulmanos divulgados por um grupo de extrema direita britânico, na manhã de quarta-feira (29), transformou-se numa tempestade na quinta (30), depois que ele respondeu à primeira-ministra britânica, Theresa May, em um tuíte noturno: "Não enfoque em mim, enfoque no destrutivo terrorismo radical islâmico que está ocorrendo no Reino Unido".

Os socos cruzados de Trump conseguiram gerar uma rara unanimidade em um Reino Unido que está profundamente dividido sobre o polêmico processo de saída da União Europeia.

Pelo menos durante um dia, adversários políticos redirecionaram para Trump a ira que normalmente visam uns contra os outros.

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A conta no Twitter do presidente americano Donald Trump com vídeos contra muçulmanos
A conta no Twitter do presidente americano Donald Trump com vídeos contra muçulmanos

As críticas vieram de opostos ideológicos como Sadiq Khan, o prefeito de Londres e muçulmano, com quem Trump já discutiu várias vezes no Twitter, e Nigel Farage, o provocador eurocético que atravessou o Atlântico para fazer campanha para Trump no ano passado. ("Levante as mãos, diga 'entendi isso mal' e, francamente, tente seguir em frente", aconselhou Farage a Trump).

Reunidos no Parlamento, os legisladores foram unânimes em dizer que Trump, ao dar uma plataforma ao grupo marginal britânico Britain First, foi longe demais.

O coro começou depois que Stephen Doughty, um deputado trabalhista do País de Gales e neto de um soldado americano que foi para o Reino Unido em 1944 para combater a Alemanha, usou uma manobra parlamentar para pedir um debate urgente sobre o "Britain First, o discurso de ódio online e o compartilhamento de conteúdo inflamatório online pelo presidente dos EUA, Donald Trump".

A ministra de governo presente, Amber Rudd, secretária do Interior, não tentou defender Trump, embora tenha observado que compartilhar inteligência com os americanos "sem dúvida salvou a vida de britânicos".

Membros do Partido Trabalhista, de oposição, foram os primeiros a atacar os tuítes de Trump, mas foram acompanhados na quinta-feira por vários membros do Partido Conservador de May.

Um deles, Peter Bone, pediu que May convencesse Trump a apagar sua conta no Twitter. Outro, Tim Loughton, sugeriu que o Twitter feche a conta de Trump, "como faria com qualquer cidadão do mundo que propagasse tanto ódio".

Um terceiro deputado conservador, Paul Masterton, lamentou: "Só porque alguém para de usar o Twitter não significa que ele deixa de ser um ridículo ['twit' em inglês]".

De modo notável, um Parlamento que em fevereiro discutiu se devia recusar a Trump uma visita de Estado porque, entre outras coisas, poderia embaraçar a rainha Elizabeth 2ª, viu-se debatendo essa questão novamente.

Para May, o episódio foi ao mesmo tempo um embaraço, um revés diplomático e uma lição sobre como é difícil administrar sua relação com Trump, um líder que ela se esforçou para cultivar.

Os britânicos se orgulham de sua "relação especial" com os EUA, e nesta semana se encantaram com o anúncio do noivado do príncipe Harry com a americana Meghan Markle.

Mas no meio da semana Trump tinha derrubado as notícias do noivado real das primeiras páginas, substituindo-as por uma discussão renovada sobre se se uma visita de Estado ao Reino Unido deveria ser cancelada.

Khan —o prefeito de Londres que esteve envolvido em outra disputa com Trump depois de um ataque terrorista à capital britânica— sugeriu no Twitter que o presidente não deveria ser convidado para uma visita oficial ao país, quanto menos com toda a pompa e cerimônia.

E na Câmara dos Comuns o deputado trabalhista Paul Flynn afirmou que Trump deve ser preso por incitação ao ódio racial se ele puser os pés no Reino Unido.

As críticas cresceram muito além do Parlamento, abrangendo figuras como o comediante John Cleese e Brendan Cox, marido da deputada trabalhista Jo Cox, que foi assassinada por um extremista de direita no ano passado.

No Reino Unido, os ministros tentaram conter o impacto diplomático do episódio, enfatizando a importância da relação estreita de segurança e inteligência entre os dois países. No entanto, o embaixador do Reino Unido nos EUA, Kim Darroch, escreveu no Twitter que manifestou preocupações junto à Casa Branca.

A controvérsia acompanhou May até a Jordânia. Em uma visita oficial ao país, ela tentou um meio-termo, criticando Trump mas afirmando que sua visita de Estado seguiria em frente.

"Sou muito clara que retuitar [conteúdo] da Britain First foi uma coisa errada de se fazer", disse ela em uma entrevista coletiva, acrescentando: "O convite para uma visita de Estado foi feito e aceito. Ainda não definimos a data".

Na noite de quinta-feira (30), uma autoridade da Casa Branca disse que nenhuma visita ao Reino Unido "está na agenda atualmente", mas acrescentou que as autoridades americanas estão trabalhando com seus colegas britânicos para organizar uma.

Esse convite a Trump foi incomum por ter sido feito logo depois de sua posse. Uma visita de Estado é uma honra normalmente oferecida muito depois em uma presidência. Mais de 1,8 milhão de pessoas assinaram um abaixo-assinado contra a visita, e adversários prometeram protestos se vier a acontecer.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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