Folha de S. Paulo


Ativista se infiltrou entre repórteres para plantar notícia falsa no "WP"

Gary Cameron - 6.ago.2013/Reuters
Capa do jornal
Capa do jornal "The Washington Post" em 2013, quando família Graham pôs publicação à venda

O esforço fracassado de ativistas conservadores para plantar uma acusação falsa sobre o candidato ao Senado Roy Moore no "Washington Post" foi parte de uma campanha de meses de duração para infiltrar o jornal e outros veículos de mídia de Washington e Nova York, de acordo com entrevistas, mensagens de texto e posts de mídia social que foram apagados posteriormente.

Começando em julho, Jamie Phillips, agente da organização Project Veritas, cujo suposto objetivo é expor a parcialidade da mídia, entrou para 12 grupos de networking relacionados a jornalismo ou a movimentos de esquerda.

Ela se inscreveu para participar de 15 encontros, muitas vezes em companhia de um colega homem, e compareceu a pelo menos duas festas de despedida de jornalistas que estavam deixando o "Washington Post".

Phillips, 41, se apresentava aos jornalistas de diversas maneiras —como dona de uma start-up interessada em recrutar redatores, estudante de pós-graduação que pesquisava sobre segurança nacional, ou prestadora de serviços nova na área.

No trimestre passado, ela tuitou em apoio ao controle de armas e criticou a repressão de Trump aos imigrantes ilegais —contrariando a postura que mostrava no segundo trimestre, quando usou o hashtag #MAGA ["Make America Great Again", o slogan de campanha de Trump], e zombou da marcha das mulheres a Washington no dia seguinte à posse de Trump, definindo-a como "Marcha do Midol" [remédio contra cólicas menstruais].

Sua verdadeira identidade e suas intenções só foram reveladas na segunda-feira, quando o "Washington Post" publicou uma reportagem, acompanhada por fotos e vídeos, sobre sua falsa afirmação a repórteres do jornal de que Moore a havia engravidado quando ela era adolescente.

O "Washington Post" reportou que ela aparentemente trabalhava para o Project Veritas, organização que usa credenciais falsas e gravações de vídeo clandestinas em tentativas de comprometer os seus alvos.

O esforço sustentado de Phillips para ingressar nos círculos sociais dos repórteres de Washington deixa claro que sua trapaça —e os esforços para desacreditar as reportagens do jornal— ia muito além da tentativa de plantar um artigo falso.

Os encontros entre Phillips e dezenas de jornalistas, que não haviam sido reportados anteriormente, ocorriam tipicamente em eventos de networking profissional ou despedidas de colegas realizadas em bares e restaurantes.

Ela usou três nomes diferentes e três números de telefone, em seus contatos com os profissionais do "Washington Post", conversando sobre a vida na capital dos Estados Unidos e pedindo para ser apresentada a outros jornalistas.

Em um caso, Phillips conversou via mensagem de texto com uma contratada do jornal por cinco semanas convidando-a, e ao marido da jornalista, para um jantar.

Depois que a profissional revelou que estava passando por uma tragédia familiar, escreveu: "Por favor avise se eu puder ajudar, mesmo que seja algo pequeno, ou só uma conversa. Gostaríamos de enviar flores e uma doação... Pensarei em vocês e rezarei por vocês".

Procurada para falar sobre a acusação, Phillips não foi localizada.

Solicitado a comentar sobre os contatos de Phillips com jornalistas do "Washington Post" e outras organizações noticiosas nos últimos meses, James O'Keefe, presidente do Project Veritas, disse que "não posso revelar a identidade de minhas fontes, da mesma forma que vocês não podem revelar a identidade de suas fontes anônimas".

Repórteres do "Washington Post" viram Phillips entrar no escritório do Project Veritas, em Mamaroneck, Nova York, na manhã de segunda-feira, cinco dias depois de lhe entregarem documentos que colocavam em dúvida sua motivação para fazer acusações contra Moore.

O Project Veritas e O'Keefe se recusaram a revelar se ela é empregada da organização. Mas depois que o "Washington Post" publicou sua reportagem na segunda-feira, O'Keefe parece ter confirmado a conexão indiretamente durante um evento de arrecadação de fundos, afirmando que uma agente "infiltrada" no "Washington Post" havia "tido sua identidade exposta".

E desde a publicação da reportagem, jornalistas de Nova York e Washington afirmaram reconhecer Phillips como participante de pelo menos sete ocasiões sociais nos últimos meses.

Antes de se infiltrar, Phillips trabalhava em financeiras que concedem empréstimos na Geórgia e em Maryland, de acordo com um banco de dados operado pelo Sistema Nacional de Licenciamento Multiestado. A NFM Lending, de Maryland, confirmou que ela foi empregada da empresa até o terceiro trimestre do ano passado.

Phillips sempre foi conservadora declarada, e doou US$ 400 para a campanha de Trump no ano passado, de acordo com registros eleitorais. No dia posterior à eleição presidencial ela tuitou uma foto que a mostrava sorrindo, ao lado de um homem que carregava um cartaz da campanha de Trump.

Em uma conta no Periscope, que foi apagada, ela postou vídeos que a mostravam zombando do protesto das mulheres depois da posse de Trump.

Ela usava o nome @JamieTennille, no Twitter, e difundia muitos posts de direita. Por algum tempo, postou usando o nome JaimedPresidentTrump.Seu perfil destacava os hashtags @MAGA e @DrenarOPântano [uma referência a outro dos slogans de Trump, que prometeu "sanear" Washington. ]

Em abril, ela tuitou um link sobre a rede de notícias CNN com o hashtag #VeryFakeNews, e reproduziu um post de O'Keefe, o fundador do Project Veritas. Ela mais tarde mudou seu nome para @Covfefe2Scoops, e seu nome de usuária para "J'Aime Covfefe", depois de um erro de digitação de Trump em maio [ele estava tentando escrever "coverage" (cobertura)].

Em maio, ela informou em um post no site de arrecadação de fundos GoFundMe.com que havia sido demitida de seu emprego no ramo de hipotecas e que estava se mudando para Nova York para "derrubar a MSM [mainstream media] liberal". O Project Veritas havia postado em sua página de Facebook dois meses antes um anúncio para a contratação de 12 "jornalistas infiltrados".

Phillips logo começou a criar uma nova persona online. Mudou a imagem de seu perfil no Facebook para uma foto do presidente John Kennedy. Criou uma nova conta no Twitter com o lema "é o amor e não o ódio que dá grandeza à América".

Criou também uma nova conta no Periscope com hashtags que demonstravam apoio a protestos da ala política progressista. Em um post no Facebook em 16 de julho, escreveu que estava deixando Atlanta para viver em Washington e trabalhar em uma organização de "construção da paz".

Suas contas originais de mídia terminaram apagadas —e as contas que mostravam simpatias esquerdistas foram apagadas depois da publicação da reportagem do "Washington Post" na segunda-feira.

O jornal conseguiu recuperar os posts por meio do Internet Archive e do cache do Google. Outras imagens de suas contas de mídia social foram capturadas quando estavam sendo deletadas, na noite de terça-feira.

Por duas semanas em julho, logo que chegou a Washington, Phillips alugou um apartamento na área do Capitólio, no porão da casa de Brad Woodhouse, antigo diretor de comunicações do Comitê Nacional do Partido Democrata.

Woodhouse era presidente da organização progressista Americans United for Change quando esta se tornou alvo do Project Veritas, em um vídeo divulgado dias antes da eleição de 2016.

Ele declarou em entrevista ter reconhecido sua antiga inquilina ao ler a reportagem do "Washington Post" na segunda-feira. Também forneceu ao jornal uma cópia da reserva de Phillips via Airbnb, que incluía seu nome e foto.

"Fiquei chocado", disse Woodhouse na noite de terça-feira. "Demorei para aceitar; fiquei pensando: 'Sério? Vocês devem estar brincando'".

Uma das primeiras ocasiões sociais de jornalistas a que Phillips parece ter comparecido foi uma reunião em 20 de julho da divisão local da Online News Association, no bar Union Drinkery. O anfitrião do evento foi Tauhid Chappell, produtor de mídia social do "Washington Post".

Phillips se apresentou como "Jaime Taylor", disse Chappell, e lhe disse que ela e o irmão planejavam criar um site de notícias que privilegiaria as "notícias verdadeiras", de preferência a histórias menos substantivas.

Os dois trocaram números de telefone. Cinco dias depois, Phillips enviou uma mensagem de texto a Chappell e perguntou se ele conhecia grupos de networking parecidos em Nova York. "Qualquer conselho e ajuda que você puder me dar será bem vindo", ela escreveu.

Phillips só voltou a contatá-lo em 24 de agosto, quando disse que estava de volta a Washington e que se encontraria com um amigo no bar Maddy's Taproom, bem perto da redação do "Washington Post", na Rua K.

"Aparentemente um evento do WaPo vai acontecer aqui hoje à noite, e isso me fez lembrar de você", disse Phillips.

Chappell não respondeu. Naquela noite, dezenas de funcionários do "Washington Post" foram ao bar e restaurante para as festas de despedida de Emily Chow, editora de design, e Michael Cotterman, gerente de serviços administrativos.

Melissa McCullough, que como diretora de operações da redação do "Washington Post" comanda serviços administrativos, entre os quais a manutenção dos espaços de trabalho e do equipamento, e responde pelos suprimentos para a redação, foi uma das organizadoras da festa.

Ela disse na quarta-feira que uma mulher a abordou, disse que todo mundo parecia estar se divertindo e perguntou onde o pessoal trabalhava, Phillips se apresentou simplesmente como "Jaime", uma prestadora de serviços em visita à área, disse McCullough.

Phillips apresentou o homem que estava com ela como seu novo namorado, e disse que ele estava se mudando para Nova York para trabalhar, disse McCullough. O casal ficou na festa por horas, até bem depois que a maioria dos convidados havia partido, e participou de um jantar, pelo qual McCullough pagou, para um dos funcionários que estava de partida.

McCullough recordou que, ao longo da noite, os dois conversaram fiado com os convidados, perguntando sobre bons lugares para conhecer em Washington, e sobre um bar de esportes que estivesse mostrando uma luta de boxe que só passaria em pay-per-view, no final de semana; também pediram recomendações de restaurantes.

McCullough disse que "de vez em quando ela mencionava política e tudo que está acontecendo, e fazia perguntas do tipo 'e como vão as coisas no Post?'"

Outro empregado do jornal recordou que Phillips às vezes se agarrava ao homem que a acompanhava, com a bolsa pendurada no ombro e posicionada entre eles dois.

Em um desses momentos ela perguntou a McCullough sobre Trump, disse a executiva do jornal. "Vamos esperar que ele não seja reeleito daqui a três anos... é minha opinião", disse McCullough, como mostra um vídeo do encontro gravado secretamente e divulgado pelo Project Veritas na quarta-feira.

Em 24 de setembro, repórteres do "New York Times", McClatchy News, Bloomberg BNA, Center for Public Integrity e outros veículos de mídia conversaram com Phillips em uma reunião de jornalistas investigativos em um bar de Washington, de acordo com cinco jornalistas que estiveram presentes.

Emily Goodell, que estava iniciando um estágio de seis meses como repórter no Student Press Law Center, terminou passando mais de quatro horas com Phillips, ela disse.

"Decidi que iria a eventos de networking, para conhecer pessoas e fazer contatos... foi assim que terminei no happy hour dos repórteres e editores investigativos em 14 de setembro. Foi assim que conheci Jaime Phillips, ainda que ela tenha se apresentado a mim com um nome falso: Jaime Taylor", escreveu Goodell em um post de blog publicado na noite de quarta-feira, descrevendo o encontro.

Em entrevista na terça-feira, Goodell disse que Phillips tinha uma lista de jornalistas que desejava conhecer, e que Goodell a ajudou a encontrá-los.

"Ela não parava de fazer perguntas", escreveu Goodell. "Perguntou sobre como era ser repórter, sobre política, sobre o que eu pensava quanto às notícias. Eu não vi nada demais nas perguntas dela. O bar estava lotado de repórteres do 'Washington Post', Atlantic Media, CNN, 'New York Times. 'Wall Street Journal' e outras organizações noticiosas".

Entre os jornalistas presentes em um jantar logo depois do happy hour estavam Goodell, Ben Weider, repórter de dados da McClatchy, e repórteres da Bloomberg BNA e do Center for Public Integrity, relataram Weider e Goodell. O grupo jantou tarde, misturando bebidas alcoólicas, hambúrgueres e milk-shakes no Ted's Bulletin, na Rua 14 NW.

Weider disse que participa de eventos como esses regularmente. "Vou para conhecer outras pessoas do setor, cujos nome conheço dos artigos que leio, e isso me ajudou a conseguir trabalhos e melhorar minhas técnicas", ele disse. "E me preocupa que coisas como essa venham a criar um clima ruim, que as pessoas fiquem mais preocupadas e mais cautelosas quando forem a um happy hour."

Goodell também pensou que a situação talvez pudesse ter se tornado ainda pior.

"Não pensei mais em minha interação com ela até ler o artigo do Post, terça-feira de manhã. Desde então, estou revirando a memória. Nada aconteceu, por causa do meu contato com ela, mas agora fico preocupada com as coisas que poderiam ter acontecido".

Em 18 de setembro, Phillips foi a uma festa de despedida de Jia Lynn Yang, editora de segurança nacional que estava deixando o "Washington Post" e passaria a trabalhar para o "New York Times", no restaurante Pennsylvania 6, perto da redação do jornal.

Dan Lamothe, repórter do "Washington Post", contou que Phillips se apresentou como aluna de pós-graduação na Universidade Johns Hopkins, e perguntou sobre como era cobrir o Pentágono e sobre a opinião dele quanto ao secretário da Defesa, James Mattis.

Phillips lhe enviou um e-mail do endereço jgibson1888@outlook.com, no dia seguinte. "Li seu Twitter e alguns de seus artigos, e tenho de dizer que realmente aprecio sua perspectiva sobre as questões de defesa, especialmente sobre Mattis", ela escreveu.

Phillips sugeriu que Lamothe poderia ajudá-la quanto ao foco de sua pesquisa e perguntou se eles podiam se encontrar para um almoço ou drinques. Lamothe não respondeu.

Lamothe disse que não sabia que estava sendo gravado secretamente até que trechos da conversa surgiram em um vídeo postado pelo Project Veritas na segunda-feira.

No vídeo, Phillips não aparece, e é identificada como "PV Journalist nº 1": "A democracia morre na escuridão, certo?", ela diz, em dado momento, se referindo ao slogan do "Washington Post".

O homem que acompanha Phillips, identificado no vídeo como "PV Journalist nº 2", faz perguntas a Lamothen sobre os articulistas de opinião do jornal. No vídeo, Lamothe expressa insatisfação com parte dos artigos de opinião do "Washington Post".

Na quarta-feira, Lamothe disse que "lamento ter sido franco com desconhecidos, e essa é a grande lição que aprendi com isso. Em geral sou uma pessoa aberta e amigável, mas preciso ser mais cauteloso".

O Project Veritas também postou um vídeo sobre outra festa de despedida naquela semana, para Thomas Gibbons Neff, um repórter que estava deixando o "Washington Post".

A despedida aconteceu no Post Pub, um bar perto do jornal. Adam Entous, repórter de segurança nacional, disse não saber que estava sendo gravado quando foi abordado por dois homens que se descreveram como aspirantes a documentaristas, interessados em realizar um projeto sobre o jornal.

No vídeo divulgado pelo Project Veritas, Entous disse que não havia prova de que houvesse conluio entre o presidente Trump e a Rússia.

Matt Zapotosky, outro repórter do "Washington Post", disse que os homens se identificaram como Karl Bradley e Michael Condon.

O homem que se identificou como Bradley contatou Zapotosky por e-mail dias depois. "Você tem tempo para um drinque esta semana? Eu adoraria conversar mais com você sobre o projeto do qual lhe falei", ele escreveu.

Zapotosky o encaminhou ao departamento de relações públicas do jornal.

Bradley falou de um suposto documentário biográfico sobre Murrey Marder, antigo repórter do "Washington Post" conhecido por sua cobertura crítica da cruzada do senador Joseph McCarthy contra o comunismo, [nos anos 50].

"O projeto está sendo descrito como uma mistura entre 'Todos os Homens do Presidente' e 'Boa Noite e Boa Sorte'", ele escreveu à equipe de relações públicas do "Washington Post". Marder morreu em 2013.

A equipe de relações públicas do jornal se recusou a participar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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