Folha de S. Paulo


Comitê que outorga refúgio no Brasil tem passivo de 27 mil pedidos

Se o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) mantiver o ritmo atual de avaliação de pedidos de refúgio de cidadãos estrangeiros, vai levar mais de 20 anos para responder às 27.500 solicitações acumuladas.

Isso sem contar os 15.643 venezuelanos que pediram a proteção até 1º de novembro deste ano. A análise dos requerimentos deles consumiria mais 12 anos.

Nacho Doce - 18.nov.2017/Reuters
Missionário da ONG Fraternidade brinca com criança warao em abrigo para imigrantes em Pacaraima) ORG XMIT: XAC102
Missionário da ONG Fraternidade brinca com criança warao em abrigo para imigrantes em Pacaraima

O cálculo é de João Akira Omoto, procurador federal dos direitos do cidadão do Ministério Público Federal, e considera a média de casos julgados pelo Conare por ano.

O número de venezuelanos pedindo refúgio ao governo brasileiro explodiu: cresceu 363 % nos primeiros dez meses de 2017, na comparação com os 12 meses de 2016, quando houve 3.375 solicitações. De todas as solicitações de 2016, apenas 14 foram aprovadas. Neste ano, o número não foi divulgado.

"Não existe resistência do Conare em conceder refúgio para os venezuelanos. Trata-se de um problema estrutural", disse Isabela Mazão, assessora de proteção do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), que participou ao lado de Omoto e de outros especialistas da audiência pública "Desafios no Acolhimento e Integração dos Migrantes Venezuelanos em SP", realizada na Assembleia Legislativa nesta quinta-feira (30).

Mazão explica que o Conare, do qual o Acnur faz parte, não tem equipe em Roraima, onde 79% dos venezuelanos registraram seus pedidos de refúgio. O Acnur abriu escritórios em Boa Vista e em Manaus.

Segundo Omoto, o governo está tentando resolver esse acúmulo de pedidos por outras vias que não o refúgio. Uma opção é pedir residência temporária por meio do acordo do Mercosul.

Em março deste ano, uma resolução do Conselho Nacional de Imigração ampliou o acordo de residência a cidadãos de países fronteiriços não pertencentes ao bloco, o que inclui os venezuelanos. O texto prevê residência temporária por até dois anos. Até novembro deste ano, 2.740 venezuelanos se candidataram ao benefício.

PERSEGUIÇÃO

No entanto, a residência temporária não impede a repatriação do estrangeiro, diferentemente do refúgio —e muitos cidadãos do país caribenho foram perseguidos e não podem voltar para casa.

Além disso, muitos venezuelanos não postularam a autorização de residência por causa da exigência de apresentação de documentos em que conste sua filiação, o que muitos não possuem.

A terceira opção para os milhares de venezuelanos é o visto humanitário. Até hoje, apenas haitianos e pessoas afetadas pela guerra da Síria foram contemplados por esse dispositivo. A nova Lei de Migração abria caminho para sistematizar a concessão desse tipo de visto.

Chamada - Lei de Migração

Mas um decreto publicado na semana passada adiou a regulamentação dos vistos e autorizações de residência por motivos humanitários, ao determinar que isso dependerá de um "ato conjunto dos ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e Segurança Pública e do Trabalho" para definir "condições, prazos e requisitos para emissão do visto".

"Grande parte dos venezuelanos está em um limbo", diz Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos.

Fabiana Severo, defensora pública da União e conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos, advertiu que a grande maioria dos venezuelanos não se enquadra no conceito internacional de refugiado, pois não sofre perseguição.


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