Itatí Leguizamón "se sentia como numa roleta russa" cada vez que seu marido entrava no ARA San Juan. Quando Germán Suárez precisou partir, despediu-se dele como se fosse a última vez.
Suárez é um dos 44 tripulantes do submarino que desapareceu há oito dias e que, segundo a Marinha argentina anunciou nesta quinta-feira (23), estava na mesma região em que uma explosão foi detectada.
"Não nos disseram que morreram, mas falaram que houve uma explosão e que estão a 3.000 metros", afirmou Leguizamón. "Cada um tira suas conclusões. Eu não tenho mais esperanças."
O sentimento de "roleta russa", ela explica, é pelo mau estado de conservação e pela falta de manutenção das embarcações argentinas.
"Isso [a explosão do San Juan] é produto de 15 anos de abandono", afirma.
"[O ARA San Juan] Não estava em condições de navegabilidade. Mandaram uma merda navegar", disse. "Inauguraram um submarino pintado por fora em 2014, e nada mais."
A culpa, diz ela, "é compartilhada entre o governo anterior e o atual".
Leguizamón afirmou que, em 2014, a embarcação apresentou problemas para emergir, incidente contornado pela própria tripulação, segundo relato do marido dela. O caso não chegou a ser noticiado na época.
Advogada, ela disse que vai processar a Marinha argentina. "Não vão esquecer isso nunca."
Logo após serem informados sobre a explosão, os familiares impediram que o resto do comunicado fosse lido pelo porta-voz da Marinha e começaram a quebrar a sala onde estavam.
Muitos parentes deixaram o local chorando. Alguns foram contidos por militares, enquanto uma mulher se jogou no chão. Ambulâncias foram enviadas para atender os familiares.
"Mataram o meu irmão, filhos da puta. Mataram o meu irmão porque o fizeram navegar numa lata velha", gritou, sem se identificar, um parente que saía do local. "Mataram-no, mataram meu filho", gritava ao lado o pai de um dos tripulantes.
Todos os familiares ouvidos pela reportagem criticaram o manejo das informações pela Marinha argentina. Eles acreditam que as autoridades já sabiam do ocorrido com o submarino muito antes do que informaram à imprensa e às famílias.
"Já sabiam da explosão há uma semana. E agora tudo o que levo daqui é uma foto do meu irmão", disse sobre o tripulante Víctor Enríquez um homem que não quis dar o nome.
Muito emocionada, Jesica Gopar, mulher do tripulante Fernando Santilli, disse que tinha um "mau pressentimento que foi confirmado hoje".
"Devido à falta de informações, já esperava o pior", afirmou.
Ela disse que havia falado com o marido pelo última vez antes de zarpar, em Ushuaia. "Falamos que nos veríamos logo e comemoraríamos o aniversário do nosso filho." Estéfano vai fazer um ano de idade.
"Isso não vai ficar assim, tem de haver justiça. Eles saíram em uma navegação normal, como muitas que fizeram, e não vão voltar nunca mais", disse Gopar, aos prantos.
Luciano Veronezi/Editoria de Arte/Folhapress | ||
DESAPARECIMENTO
O submarino argentino ARA San Juan, com 44 tripulantes, está desaparecido desde o último dia 15. A embarcação estava em um exercício de vigilância zona econômica exclusiva marítima argentina, cerca de 400 km a leste de Puerto Madryn, na Patagônia (sul do país). Ele regressava a sua base, em Mar del Plata, ao norte, quando as comunicações foram interrompidas.
O San Juan, de propulsão que combina motores a diesel (para uso na superfície) e elétrico (quando submerso), é uma arma de patrulha e ataque com torpedos.
Ele é um dos três submarinos à disposição de Buenos Aires. Integra a classe TR-1700, construída pela Alemanha a pedido da Argentina. Dois dos seis barcos desse modelo foram entregues, mas o programa não foi adiante. A embarcação irmã do San Juan, o Santa Cruz, está em atividade.
O San Juan foi completado em 1985, e passou por uma longa revisão para lhe dar mais 30 anos de vida útil que acabou em 2013. A Marinha argentina, como suas Forças Armadas de forma geral, passa por um processo de degradação acelerada há muitos anos. Possui 11 navios principais de superfície, 3 submarinos e 16 embarcações de patrulha costeira, entre outros.
A circunstância evoca uma tragédia ocorrida no ano 2000, quando o submarino nuclear russo Kursk sofreu uma explosão no seu compartimento de armas e afundou no mar de Barents —os 118 tripulantes morreram, muitos por asfixia.
Colaborou a Redação