Folha de S. Paulo


Livro que desfaz lenda dos Protocolos de Sião é lançado em português em SP

Quando "Os Protocolos dos Sábios de Sião" foram publicados na Rússia em 1903, ninguém bradava "fake news!" para se referir a notícias falsas, como se tem feito nos anos recentes.

Mas eram falsas as notícias do livro sobre uma conspiração judaica para dominar o mundo, o que não impediu seu uso pelo nazismo para justificar a morte de 6 milhões de judeus.

Valentyn Ogirenko - 29.set.2017/Reuters
Rabino faz oração em lembrança do Babyn Yar, um dos principais massacres do Holocausto, em Kiev
Rabino faz oração em lembrança do Babyn Yar, um dos principais massacres do Holocausto, em Kiev

Esse embuste é narrado no livro "A Força da Mentira" (480 páginas, R$ 81, editora Educ), publicado na próxima quarta-feira (22). A obra, da israelense Hadassa Ben-Itto, 91, foi lançada em 1998 e traduzida a 11 línguas desde então, mas ainda era inédita em português.

Ben-Itto conta uma história de um século atrás, mas a ideia de uma falsidade que tem poder mesmo depois de desmentida é um tema bastante contemporâneo. A própria tese de uma conspiração judaica continua a fomentar o crescente antissemitismo nos EUA e na Europa.

"'Fake news' virou uma coisa da moda, mas os protocolos são 'fake news' há cem anos", a autora diz à Folha. "Líderes políticos ainda utilizam a tese da trama judaica até hoje, como os nazistas fizeram. Serve de álibi para o que está acontecendo de ruim em seus países."

Nascida na Polônia, Ben-Itto foi juíza por 31 anos em Israel, um período durante o qual se deparou inúmeras vezes com histórias sobre os "Protocolos dos Sábios de Sião", um livro que forja as minutas de uma inexistente reunião de judeus para discutir a dominação mundial.

Se a princípio ela tratou a história como algo trivial, aos poucos passou a lhe incomodar o fato de que uma mentira sobre os judeus perdurasse tanto tempo. "O livro foi publicado por décadas em todo o mundo, em dezenas de línguas, sem ninguém fazer nada", afirma.

Ela decidiu antecipar a aposentadoria, abandonar as cortes e viajar ao redor do mundo com um laptop embaixo do braço para investigar a história dos protocolos. Seis anos depois, publicou seu best-seller ("sem notas de rodapé, sem linguagem acadêmica, para ser lido").

"Lidei com muitos fatos enquanto era juíza, e sei que os fatos são importantes", diz à Folha. "Mas o que fazer quando os fatos são pervertidos? A única solução é dizermos a verdade."

USHMM/Reuters
Versão japonesa do livro
Versão japonesa do livro "Os Protocolos dos Sábios de Sião", usado para fundamentar antissemitismo

CÁTEDRA

A publicação de "A Força da Mentira" foi financiada coletivamente a partir de um projeto da jornalista brasileira Miriam Sanger, baseada em Israel. O livro faz parte de uma nova linha da Educ dedicada a temas judaicos —a PUC-SP tem há sete anos uma cátedra nessa área.

O presidente da cátedra, José Luiz Goldfarb, que também chefia a editora, foi dono da icônica livraria Belas Artes, fechada em 2006. Ele se lembra de quando "pessoas sacanas entravam pedindo o livro". "Faziam como provocação, para que eu tivesse a obra nas prateleiras."

"Descobri que 'A Força da Mentira' tinha essa pegada 'fake news' e me apaixonei pelo tema", diz. "'Uma mentira como a dos protocolos teve um impacto enorme na história do século 20."

A obra da juíza Ben-Itto, nesse sentido, trata da persistência dessas falsidades. Os protocolos, afinal, ainda estão à venda —a descrição da obra na loja da Amazon não explicita que a história é falsa, e diz que "o leitor poderá elaborar a sua própria conclusão".

"Por mais que uma mentira seja desmentida, ela sobrevive", diz Goldfarb, que nos anos 1980 decidiu não vender os protocolos em sua livraria. Há então o debate: "Será que a liberdade de expressão se sobrepõe a um discurso mais efetivo do que as armas?"

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Livro será lançado em seminário sobre cultura judaica

A tradução para o português de "A Força da Mentira" será lançada nesta quarta-feira (22), no final do evento "O mundo depois do Holocausto: direitos humanos e direitos nacionais", que comemora os sete anos da Cátedra de Cultura Judaica da PUC-SP.

Antes do lançamento, às 16h, haverá duas mesas redondas —uma às 10h30, com Cláudia Costin (FGV-RJ) e Mária Luiza Tucci Carneiro (USP), e outra às 14h, com Michel Gherman (UFRJ) e Guilherme Casarães (FGV-SP).

O evento, gratuito, será realizado no auditório 239 do Edifício Reitor Bandeira de Mello (r. Ministro Godói, 969, Perdizes). Para as palestras, os organizadores recomendam aos interessados se inscreverem neste site.


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