Folha de S. Paulo


Abstenção é rival de candidatos nas eleições deste domingo no Chile

O verão que chegou antes da hora a Santiago tem levado a população a encher as praças e parques. Na tarde da última sexta-feira (17), jovens e adultos passeavam pelo parque Bustamante, no bairro nobre de Providencia.

A animação de grupos de bate-papo, corredores e casais contrastava com o abandono com que se via, ao pé dos postes, cartazes de campanha que tinham sido arrancados, com os rostos dos candidatos rasgados ou riscados.

"Ninguém aguenta mais esses sorrisos falsos", dizia Dalia Jara, 23, estudante de música que declarava que não votaria neste domingo (19). No bar, um grupo debatia preferências: "A esquerda errou ao deixar se dividir", lamentava José Zamora, 25.

Já Nathalie Ruiz, 28, eleitora do ex-presidente Sebastián Piñera (centro-direita), disse que votaria só para "honrar meus pais, que ficaram sem esse direito por anos, mas não porque goste muito de nenhum dos candidatos".

Um dos principais adversários dos oito candidatos à Presidência é a abstenção. O Chile é dos quatro países do mundo com maior índice de eleitores que não vão às urnas (o voto não é obrigatório).

Pablo Vera/AFP
O candidato à Presidência do Chile Sebastián Piñera (centro-direita) joga amistoso de futebol na véspera da eleição, em Santiago
O candidato à Presidência do Chile Sebastián Piñera (centro-direita) joga amistoso de futebol na véspera da eleição, em Santiago

Segundo o instituto de pesquisa CEP, espera-se que 44% dos 14 milhões dos eleitores votem no domingo. A abstenção também atrapalha as projeções dos resultados.

Na pesquisa mais recente, Piñera, 67, tem 45% das intenções de voto. Em segundo, vem o senador governista Alejandro Guillier (centro-esquerda), 64, com 23%. Seguindo-os de longe, mas com papel importante num segundo turno, estão a esquerdista Beatriz Sánchez, 46, (14%), a democrata-cristã Carolina Goic, 44, (6%) e o direitista José Antonio Kast, 51 (6%).

As projeções indicam uma chance mínima de que o ex-presidente tenha os 50% mais um voto necessários para selar já no domingo sua volta ao Palácio de La Moneda, por onde passou entre 2010 e 2014 -é proibida a reeleição presidencial consecutiva no Chile.

Caso não os consiga, vai ao segundo turno em 17 de dezembro. Indagado sobre a razão do favoritismo de Piñera, o cientista político Patricio Navia diz que os chilenos estão procurando mais um "casamento de conveniência".

"Os eleitores sabem que esse piloto tem falhas, mas que sabe pilotar o avião. O outro candidato não passa essa certeza", diz Navia à Folha.

Economista e empresário, o ex-presidente tem como bandeiras a retomada do crescimento, a redução do gasto público, a linha-dura contra o tráfico de drogas e os extremistas mapuche da região da Araucanía (sul).

Porém, salienta que não revogará leis a que se opôs, como a legalização do aborto em três situações (risco de vida à mãe, má formação do feto e estupro) e a gratuidade do ensino superior aos 60% de estudantes mais carentes.

"Piñera não se move por ideologia, não compra brigas por valores. Se amanhã alguém disser que o aborto é um negócio lucrativo, ele vai defendê-lo. Tampouco se importa com a liberação ou não do casamento gay. Nisso ele se difere de direitistas mais ideológicos", explica Navia.

Seu mais provável rival num segundo turno é Ajeandro Guillier, ex-apresentador de programas políticos de televisão e senador pela região de Antofagasta (norte).

Ele teve um início de campanha de rápido crescimento, com a bandeira de ser desvinculado da política tradicional e por defender a continuidade das reformas da presidente Michelle Bachelet.

Após alguns meses, porém, suas respostas a alguns temas se tornaram evasivas e ele começou a cair nas pesquisas. "Ele avalia com quem terá de se aliar, se com a esquerda ou a democracia cristã. É por isso que não pode definir o programa de governo", diz Navia.

Ao encerrar a campanha, na quinta (16), Piñera ironizou a evasão de Guillier. "A única coisa que parece unificar a esquerda é votar contra mim. Seria bom ouvir uma proposta mais consistente."

Já Guillier buscou se vincular ao legado de Salvador Allende, presidente socialista morto no golpe de 1973, e se declarou "um continuador" do legado de Bachelet.

Editoria de Arte/Folhapress

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