Folha de S. Paulo


'Adultos' não foram capazes de domar Trump, diz cientista político

Aaron Favila/Associated Press
O presidente dos EUA, Donald Trump, participa da cúpula da Asean em Manila, nas Filipinas
O presidente dos EUA, Donald Trump, participa da cúpula da Asean em Manila, nas Filipinas

Ao analisar os quase dez meses de Donald Trump como presidente dos EUA, o cientista político Charles Kupchan recorre à imagem de uma criança que não consegue ser controlada pelos adultos que a cercam.

"Pensamos que [o secretário de Estado Rex] Tillerson, [o secretário da Defesa, James] Mattis, [o assessor de Segurança Nacional H.R.] McMaster seriam capazes de convencê-lo a acabar com o extremismo", afirmou Kupchan em entrevista à Folha. "Os 'adultos' não foram capazes de domá-lo."

Joel Silva/Folhapress
Charles Kupchan, cientista político e professor de Georgetown, em São Paulo

Professor da Universidade Georgetown e membro sênior do Council on Foreign Relations, Kupchan, 59, veio a São Paulo para participar na última sexta-feira (10) do Simpósio de Relações Internacionais promovido pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU) e pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).

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Folha - Em uma entrevista recente, Donald Trump disse que "no fim, o único que importa sou eu". O que o sr. pensa quando ouve o presidente dos EUA falando isso?

Charles Kupchan - Queira Trump ou não, ele mora em um país construído para garantir que ninguém tenha poder incontrolável. Os Pais Fundadores [responsáveis pela independência e pela Constituição] disseram "o presidente pode fazer isso, os tribunais farão isso, o Legislativo fará isso". E temos Trump dizendo "o único que importa sou eu". Isso é muito não americano.

Acho que muitos de nós esperavam que Trump iria ficar moderado, que ele em algum momento viria para o centro do espectro político.

Pensamos que os "adultos" chegariam nele. Tillerson, Mattis, McMaster, alguns dos que são considerados mais profissionais, eles seriam capazes de convencê-lo a acabar com o extremismo. Bem, isso não está funcionando.

Outra esperança que tinham era que Trump não fosse realmente um nacionalista e populista, que ele fosse controlado por Stephen Bannon, Sebastian Gorka e outras figuras periféricas [na política].

Bem, Gorka se foi, Bannon se foi , mas Trump ainda é Trump. Ele ainda faz coisas que são racistas, populistas, nacionalistas. No fim, ele está certo quando diz que "tudo que importa sou eu", porque os "adultos" não foram capazes de domá-lo, e o populismo não vem de Bannon ou outra pessoa, vem de Trump.

Os "adultos" na Casa Branca eram a última esperança para controlar Trump?

Não quero soar como se dissesse que os "adultos" não importam, eles importam. [John] Kelly, o chefe de gabinete , trouxe para a Casa Branca um aparato funcional.

Também acho positivo o Departamento da Defesa. Mattis tem a confiança do presidente, do Pentágono e dos militares. Mas eles não são capazes de controlar Trump.

Outra coisa é que o Partido Republicano está derretendo. Aqueles que consideramos conservadores reais estão desistindo [de concorrer à reeleição]. Mesmo eles não são capazes de ganhar o apoio dos ativistas [que elegeram Trump], que se tornaram uma insurgência populista.

Trump sabe disso. Quando decide brigar com jogadores da NFL [a liga de futebol americano] que se ajoelham [ao cantar o hino] ou entrar em uma guerra retórica com a mulher de um soldado morto na África, ele joga para seus fãs, que amam essas coisas.

É a marca política dele, isso o elegeu e é sua única esperança, porque ele já perdeu a maioria do resto do país. Você junta essas duas coisas, e isso me diz que os próximos três anos serão instáveis. Mas, honestamente, o que é pior? Mais três anos de Trump ou uma crise constitucional em que o país entra em processo de impeachment? Não sei.

Trump disse recentemente que não sabe até quando Rex Tillerson fica no cargo de secretário de Estado. O que deu errado nessa relação?

Algo deu errado. No governo [do antecessor democrata, Barack] Obama, por exemplo, havia uma estrutura para elaborar políticas, comissões até chegar ao presidente. O sistema hoje tornou-se personalista, ninguém sabe quem está fazendo a política ou tomando as decisões. Mas sente-se que a relação dele com Tillerson não é ótima, houve relatos de insultos entre eles.

O sr. já afirmou que Trump vê os países como "prédios de apartamentos". Se o inquilino paga o aluguel em dia, tudo bem; se não, há um problema. Há perigos nessa visão global?

Ele pensa que vivemos em um mundo no qual vigora o "cada país por si". Se eu estou bem, você está mal. Se você está bem, eu estou mal.

E essa foi a forma como o mundo funcionou por muito tempo. Durante grande parte da história, vivemos em um mundo que era sangrento e competitivo, não havia o que chamamos de regras baseadas na ordem internacional.

Acho muito preocupante que Trump pareça querer nos levar de volta para aquele mundo. Ele não entende que nossa relação com a Alemanha, por exemplo, é de valores comuns. Para eles, trata-se de quantos carros a Alemanha vendeu para nós versus quantos nós vendemos para eles. Espero que ele não seja bem-sucedido, pois, caso contrário, nós todos vamos nos arrepender de termos regredido na história.


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