Folha de S. Paulo


Violência na América Latina mira pobres, diz pesquisa em 7 países

Jose Cabezas/Reuters
A Mara Salvatrucha (MS-13) gang member wait to be escorted upon their arrival at the maximum-security jail in Zacatecoluca, El Salvador October 12, 2017. REUTERS/Jose Cabezas ORG XMIT: GGGJAC005
Membro de gangue aguarda, sob escolta, entrada em presídio em El Salvador

O jornalista espanhol José Pardo, 32, considera simplista atribuir ao crime organizado a maioria dos homicídios na América Latina.

Esse foi o motivo pelo qual decidiu investigar as causas e os efeitos dos assassinatos em sete países da região após três anos de pesquisa sobre as consequências do tráfico de drogas nas Américas.

Para o projeto En Malos Pasos (No mau caminho, em tradução livre), está visitando países com as maiores taxas de mortes violentas, segundo ranking da ONU em 2015.

A pesquisa se concentra neste momento em El Salvador, país com maior índice (103,3 por 100 mil habitantes), depois de passar por Venezuela (57,15), Colômbia (26,5) e Brasil (26,74).

Cada um deles é assolado por diferentes fenômenos organizados —as gangues no centro-americano, a violência política no caso venezuelano e o tráfico de drogas tanto para colombianos quanto para brasileiros.

Pardo aponta, porém, um denominador comum. "A maioria desses homicídios ocorre em regiões onde moram os excluídos socialmente. Tristemente, quase nenhum é elucidado", afirmou.

Para ele, algumas autoridades colocam todos os assassinatos no mesmo balaio a fim de se eximir de culpa pelo descontrole da violência e de legitimar o modus operandi de suas forças.

"O treinamento que se dá no Brasil e em outros países da região é para matar e morrer. Percebe-se isso no número expressivo de homicídios cometidos por policiais, mas também na quantidade de agentes mortos."

A política repressiva, como Pardo chama, não seria possível sem a anuência da sociedade. Ele cita como exemplo o Rio, escala inicial do En Malos Pasos e para onde o jornalista voltou no último fim de semana para o Festival 3i "" Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente.

"Há cariocas que nunca foram a favelas, eles as veem como algo distante e ignoram as pessoas que vivem ali. O que há é uma guerra de pobres: o criminoso e o policial vivem em uma área excluída."

No caso específico dos mais pobres, o apoio à linha-dura se deve à vida que levam, segundo o pesquisador. "Vou votar em quem promete uma política de longo prazo ou em quem pode me dar uma solução rápida?", explica.

"Os dados provam claramente que a linha-dura não funciona, mas esses políticos [que defendem o uso da violência] não são movidos por fatos, mas pelo sentimento das pessoas."

Foi dessa impressão social que veio o nome do projeto. "A noção de que só vão morrer as pessoas que estão envolvidas no crime cria também uma série de visões muito simplistas."

VENEZUELA

Depois de entrevistar moradores, policiais, líderes comunitários e políticos no Rio e em Fortaleza, José Pardo chegou à Venezuela em maio, no auge dos protestos contra Nicolás Maduro.

Ele havia estado por lá pela primeira vez em 2012, antes da morte de Hugo Chávez (1954-2013), mas considera que o quadro que levou à crise política vinha se materializando desde então.

"As pessoas tinham duas verdades: a chavista e a opositora. A isso se somou uma crise econômica muito forte, e o resultado foi uma convulsão e o governo se aferrando a sua posição", afirma.

O En Malos Pasos colheu depoimentos de manifestantes 'black bloc' e parentes de mortos pela polícia, além de membros das forças de segurança e de coletivos (milícias chavistas). "Eles viram muitos jovens morrerem, e a situação não melhora."

Ao tratar dos crimes comuns, Pardo também conversou com membros e ex-integrantes de quadrilhas e suas vítimas nas favelas, que são outro componente da violência armada da Venezuela.


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