Folha de S. Paulo


Fim iminente do Obamacare deixa beneficiários confusos nos EUA

Kevin Lamarque - 23.mar.2017/Reuters
FILE PHOTO: Protesters demonstrate against U.S. President Donald Trump and his plans to end Obamacare outside the White House in Washington, U.S., March 23, 2017. REUTERS/Kevin Lamarque/File Photo ORG XMIT: TOR245
Manifestantes protestam contra medidas de Trump para suspender Obamacare

No pronto-socorro lotado do Metropolitan, um dos três maiores hospitais públicos de Nova York, Miriam Urgiles equilibrava o filho de um ano no colo. Milton esperneava aflito, enquanto a mãe tentava chamar sua atenção com desenhos na tela do celular.

"Venho sempre aqui", dizia a imigrante equatoriana, há oito anos nos Estados Unidos. "Meu filho nasceu nesse hospital. A gente vem porque este é o único que não cobra a consulta. Aqui nem eu nem ele precisamos pagar."

Urgiles está entre os milhões de residentes no país sem plano de saúde. Se o hospital em questão não fizesse parte do Medicaid, sistema que atende a determinadas pessoas abaixo da linha da pobreza, uma simples consulta poderia custar R$ 1.000.

O ex-presidente Barack Obama tentou sanar parte desse problema criando um sistema de saúde que ganhou o apelido de Obamacare.

Nele, planos de saúde são obrigados a oferecer serviços básicos, entre eles cuidados com a maternidade, tratamentos para a dependência química e saúde mental, por valores mais acessíveis. Em troca, as empresas recebem subsídios do governo federal.

Mas o desmanche do sistema, uma das maiores promessas de campanha de Donald Trump, começa nesta semana, quando usuários precisarão se registrar para continuar com o benefício.

Depois de fracassar na tentativa de revogar e substituir no Congresso o sistema do antecessor, o presidente assinou um decreto que deve, em última instância, cortar subsídios e desobrigar seguradoras de prestar serviços básicos, podendo levar a cortes radicais em alguns planos.

Mas como as medidas ainda dependem de aprovação das agências reguladoras, o que pode levar até um ano, essa nova leva de registros promete caos e confusão.

"Está uma loucura", dizia Talia Adika, uma corretora de seguros de saúde, entre telefonemas de clientes assustados. "Eles ligam, reclamam, falam que o plano deles vai acabar e que ninguém avisou. Mas nós também estamos no escuro. É o fim do Obamacare, está tudo desmoronando."

Essa sensação se agrava pelo fato de haver menos tempo para se inscrever —um mês e meio contra três, no passado. Poucos sabem também que o prazo começou, porque a Casa Branca cortou verbas publicitárias para US$ 10 milhões, 10% do que eram.

Tudo se inclui em um esforço para fazer naufragar o Obamacare. Muitos temem, com isso, o fim de garantias previstas no sistema, como a proibição da cobrar preços mais altos de quem tem doenças preexistentes e de mulheres, que podem engravidar.

Todas as regras passam a ser redefinidas. E cada Estado tem autonomia para autorizar ou barrar determinadas mudanças, o que pode ser radical em alguns lugares e inócuo em outros.

Inscrições ou renovações de planos de saúde?pelo mercado aberto de seguros, em milhões -

Norte-americanos sem seguro de saúde, em milhões -

Norte-americanos sem seguro de saúde - Em % da população

Em Nova York, por exemplo, nenhum plano pode cobrar mais de pacientes mais velhos ou recusar os mais vulneráveis. Em grande parte, isso se deve a subsídios e incentivos fiscais do Estado às empresas, que não têm esses benefícios no resto do país.

"Não queremos ver o Obamacare revogado", diz Leslie Moran, porta-voz da associação que representa as seguradoras em Nova York. "Com ele, conseguimos reduzir à metade o número de não segurados. E esse número [de novos segurados] só aumenta em nosso Estado."

PREJUÍZO
Embora o sistema tenha estendido a cobertura de saúde para americanos que nunca tiveram plano —há cerca de 12 milhões de beneficiários hoje—, muitas seguradoras viram lucros minguarem e fecharam as portas.

Isso porque, enquanto grupos de risco ou pessoas com doenças preexistentes foram rápidos em aderir ao Obamacare, a parcela mais saudável da população preferiu pagar uma multa e não se registrar, sobrecarregando o sistema.

O resultado foi uma série de falências, com empresas como Care Connect e Health Republic fechando as portas, e concentração nas mãos de gigantes, entre elas Aetna e United Health, que preferem não atender aos mais pobres.

"O problema do Obamacare é que ele é insustentável", diz Jonathan Schulman, outro vendedor de seguros. "As empresas não conseguem bancar todos os benefícios sem fazer o preço disparar."

Diante da incerteza, seguradoras vêm aumentando as mensalidades. Em alguns casos, planos individuais chegaram a ficar 30% mais caros, e carências são cada vez mais altas, passando de US$ 7.000 (R$ 22,7 mil) nos planos que cobrem só emergências.

"Isso quer dizer que seu plano só faz sentido se for algo muito grave", reclamava Mike Jones, na saída de uma clínica ortopédica no Harlem. "Quase nunca pagava uma conta uns anos atrás. Agora é conta atrás de conta. Tenho certeza de que isso é problema para muita gente."


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