Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Ameaça do Facebook estimula resposta extrema

Money Sharma - 28.out.15/AFP
O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, discursa em evento em Nova Déli (Índia)
O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, discursa em evento em Nova Déli (Índia)

O rescaldo das audiências desta semana com os advogados de Facebook, Google e Twitter, no Congresso americano, foi de frustração, com analistas lamentando a pouca atenção dada ao "alcance orgânico" das mensagens que teriam ajudado a polarizar a campanha de 2016 e a eleger Donald Trump.

O foco foi quase todo para os anúncios comprados por contas de Facebook ligadas à Rússia, sobretudo um deles, que vinculava a candidata democrata Hillary Clinton a Satanás —exposto e discutido ao longo de uma hora, numa das audiências, e posteriormente na cobertura. Mas seu impacto publicitário foi, na verdade, restrito.

Quanto ao alcance orgânico, ou seja, as mensagens que os usuários comuns criaram ou compartilharam, ligadas originalmente aos esforços russos de interferência na eleição americana, nem o Facebook forneceu os números nem os congressistas se mostraram especialmente interessados neles.

São dados que poderiam ajudar a diagnosticar, enfrentar e talvez reduzir problemas intrínsecos à plataforma e ao comportamento de seus usuários, em casos de tentativa de manipulação.

2016 NÃO ACABA

Em grande parte, foi mais um espetáculo para os parlamentares democratas, antes tão próximos das gigantes de tecnologia, demonstrarem sua frustração e crescente distanciamento dos ex-aliados. E uma forma de ocultar ou adiar o que a revista "The New Yorker" chama de guerra civil democrata, entre esquerda e centro.

Um espetáculo que serviu ainda para Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, reciclar velhas promessas de combate a notícias falsas, agora renomeadas por ele como "mau conteúdo". Ele voltou a dizer que dobrará o número de humanos —agora de 10 mil para 20 mil— contratados para revisar conteúdo, sobretudo "anúncios".

E acrescentou que, independentemente de nova legislação neste sentido no Congresso, está se movimentando para "levar a publicidade no Facebook para um nível ainda maior de transparência do que aquela dos anúncios de TV e de outras mídias". Novamente, o foco está nos anúncios, não no alcance orgânico.

Na visão de alguns, as audiências no Congresso só fizeram reencenar os enfrentamentos da campanha de 2016, apelidada de "eleição que nunca vai acabar".

LIMPEZA ÉTNICA

O problema não se restringe à política disfuncional dos Estados Unidos —ou mesmo do Brasil, onde a ascensão de Jair Bolsonaro, como a de Donald Trump, começa a ser creditada ao Facebook. A semana revelou que o conflito étnico em Mianmar teria chegado a extremos devido ao "mau conteúdo" compartilhado na plataforma.

Em resumo, com o fim da censura imposta pela ditadura no país, o acesso à internet saltou de dois milhões para 30 milhões de pessoas em apenas três anos. Mas internet, no caso, significa quase unicamente o acesso por celular —e majoritariamente pelo aplicativo pré-instalado do próprio Facebook.

Nesse ambiente, as notícias falsas postadas por usuários radicais, sobre a minoria rohingya, explodiram em "limpeza étnica", assim descrita pela ONU.

Diante dos horrores que se amontoam pelo mundo, creditados à mídia social, as soluções esboçadas nos EUA, como aquelas de Zuckerberg, se mostram insuficientes e até egoístas. Neste sentido, não teve o melhor dos efeitos o compromisso feito pelo presidente do Facebook, uma rede global, à "segurança nacional" americana.

MULTAR OU DIVIDIR

Uma palavra-chave, na busca de solução, é transparência. Mas a revista "The Economist" lembra que o Congresso americano "quer transparência sobre quem paga por anúncios políticos, embora muito da influência maléfica venha de pessoas compartilhando de forma descuidada posts com notícias quase sem crédito".

A falta de perspectiva de uma saída nos EUA estimula respostas extremas. Na Alemanha, a impressão inicial de que o Facebook pouco influiu no pleito, que reelegeu Angela Merkel, vem sendo abalada por informações de que ajudou a extrema direita a chegar ao Parlamento, através do próprio escritório da plataforma em Berlim.

A reação alemã veio com a entrada em vigor em outubro da chamada "Lei Facebook", que prevê multa de até 50 milhões de euros por posts "manifestamente ilegais" que permaneçam no ar por mais de 24 horas. Também já se fala, tanto na Europa como nos EUA, em dividir o Facebook em pedaços, apelando à legislação antitruste.

Os olhares começam a se voltar até para a China. A censura política das redes sociais ainda é inaceitável, mas os amplos mecanismos de controle de conteúdo, montados por grandes plataformas como Weibo, vêm merecendo uma segunda avaliação, inclusive nos EUA.


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