Folha de S. Paulo


Premiê libanês diz que sua vida está em perigo e anuncia renúncia

Mohamed Azakir - 19.jan.2017/Reuters
O premiê libanês, Saad Hariri
O premiê libanês, Saad Hariri

O premiê libanês, Saad Hariri, anunciou neste sábado (4) sua renúncia em uma mensagem transmitida pela TV, acusando o Irã de interferir nos assuntos árabes e criticando o aliado iraniano no Líbano, o Hizbullah.

Hariri afirmou que a atmosfera em seu país se parece com o clima anterior ao assassinato de seu pai, Rafik Hariri, em 2005, e disse temer por sua vida. "Estamos vivendo um clima similar à atmosfera que prevalecia antes do assassinato do mártir Rafik Hariri. Sinto o que está sendo tramado secretamente contra minha vida", afirmou.

Hariri foi designado primeiro-ministro no fim de 2016 e chefiava um governo de união nacional que incluía o grupo radical xiita Hizbullah, milícia que trocou os atos terroristas pela política. O governo tem conseguido isolar o país dos efeitos da guerra civil na vizinha Síria.

"Declaro minha renúncia do cargo de premiê do Líbano com a certeza de que a vontade dos libaneses é forte", disse Hariri no pronunciamento pela TV.

"Quando assumi, prometi que buscaria unir o Líbano, acabar com as divisões políticas e estabelecer o princípio de autossuficiência. Mas não consegui. Apesar dos meus esforços, o Irã continua a abusar do Líbano."

Hariri, que já havia sido primeiro-ministro de 2009 a 2011, disse ainda que o Líbano iria "se levantar como fez no passado" contra a interferência iraniana e que "os braços do Irã na região serão cortados". "O mal que o Irã espalha vai voltar para ele", acrescentou, acusando o país persa de espalhar o caos e o conflito pela região.

Hariri criticou ainda o Hizbullah, partido que é aliado chave do regime de Bashar Assad na Síria e o único que não entregou as armas ao fim da Guerra Civil no Líbano (1975-90).

"O Hizbullah conseguiu nas últimas décadas impor um status quo no Líbano por meio de suas armas apontadas contra os peitos dos sírios e dos libaneses", afirmou.

Vários membros do Hizbullah estão sendo julgados em ausência por um tribunal apoiado pela ONU em Haia, na Holanda, pela morte de Rafik Hariri. O Hizbullah nega ter envolvimento no assassinato do ex-premiê (1992-98 e 2000-04).

IRÃ

O governo do Irã respondeu as acusações de Hariri, afirmando que a renúncia vai levar tensão para toda a região.

Teerã culpou os Estados Unidos e Israel de estarem por trás da saída do premiê.

"A renúncia do primeiro-ministro do Líbano repete as acusações irreais e infundadas de sionistas, sauditas e americanos contra o Irã, o que é é uma indicação de que essa renúncia traz um novo cenário para criar tensão no Líbano e na região", disse o porta-voz do Ministério do Exterior do Irã, Bahram Qassemi.

Na Arábia Saudita, o canal de TV Al-Arabiya Al-Hadath —que é controlado pelo governo saudita— disse que um complô para matar Hariri foi descoberto esta semana. As forças de seguranças libanesas negaram a informação.

DIVISÕES

Segundo o canal de TV libanês al-Jadeed, o pronunciamento foi gravado em Riad, capital saudita, e inimigo regional do Irã e do Hizbullah no delicado equilíbrio de forças geopolíticas entre as vertentes sunita e xiita do islã.

Hariri esteve, na última semana, duas vezes na Arábia Saudita, onde se reuniu com o príncipe Mohammed bin Salman e outras autoridades.

A renúncia deve aumentar as tensões no Líbano.

O país é fortemente dividido entre o campo leal à Arábia Saudita, chefiado pelo sunita Hariri, e o campo leal ao Irã, representado pelo Hizbullah e apoiado pelo presidente Michel Aoun, que é cristão, como requer a Constituição (a mesma Carta estabelece que o premiê seja muçulmano sunita e o líder do Parlamento, muçulmano xiita).

Aoun foi eleito em de 2016, após mais de dois anos de vácuo na Presidência, graças ao apoio de Hariri, conquistado em troca da promessa de apontá-lo premiê.

Em nota, o presidente afirmou ter sido informado por um telefonema de Hariri "de fora do país" e que aguarda seu retorno para esclarecer as circunstâncias da renúncia e os próximos passos.

O líder druso Walid Jumblatt reagiu com reservas. "O Líbano é muito vulnerável para suportar a carga econômica e política desta renúncia."


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