Folha de S. Paulo


Eleição presidencial no Chile pode afetar Lei Antiterror da ditadura

A duas semanas da eleição presidencial no Chile, um dos principais temas da campanha —o uso da força no combate à reivindicação violenta de grupos de indígenas mapuche— ganha fôlego com a absolvição de 11 dos 12 integrantes dessa etnia acusados de incendiar uma fazenda e matar os proprietários.

O incêndio ocorreu em 2013 em Vilcún, na região de Araucanía (centro-sul do país). Os donos da propriedade, Werner Luchsinger e Vivian Mackay, tinham 75 e 69 anos, respectivamente.

A Justiça declarou, na semana passada, que não havia provas da participação de todos os indígenas no ataque. Apenas 1 dos 12 acusados deve ser condenado —a sentença final sairá no dia 14.

Jorge Villegas - 9.out.17/Xinhua
Polícia chilena detém manifestantes em protesto mapuche em Santiago no último dia 9

Os 11 absolvidos estavam sob prisão preventiva desde então, devido à aplicação da Lei Antiterrorista. Eles agora pedem à Justiça reparação pelos anos de detenção.

"O episódio expõe duas questões que o Chile precisa resolver: se é válido usar a Lei Antiterrorista em crimes ligados a disputas territoriais com indígenas e levar a reivindicação dos mapuches a sério, pois nossa Constituição não os reconhece", diz o cientista político Patricio Navia, professor das universidades de Nova York (EUA) e Diego Portales (Chile). "Em ambos os pontos, esquerda e direita têm ideias opostas."

A Lei Antiterrorista foi instituída na ditadura (1973-90) e prevê, além de sentenças mais duras, limites aos direitos dos acusados de um delito, o que permite o uso recorrente da prisão preventiva.

Por outro lado, nos últimos anos, vêm aumentando os atentados de extremistas mapuches que reivindicam desde o reconhecimento como comunidade autônoma até a independência completa da região da Araucanía.

Os mapuche reclamam que esta lhes foi roubada no século 19. No governo de Salvador Allende (1970-73) foi feita uma entrega de territórios aos indígenas, mas a medida foi revertida na ditadura do general Augusto Pinochet.

Deste então, o conflito cresce, com a formação de grupos que adotam de recursos pacíficos de protesto e de outros que usam violência.

CONSTITUINTE

Na campanha que a elegeu presidente, a esquerdista Michelle Bachelet previa convocar uma assembleia constituinte para que o Chile pudesse abandonar a Carta da era Pinochet. Não houve, porém, acordo com a oposição.
Bachelet diz que os crimes de grupos mapuche mais violentos devem ser enquadrados no Código Penal vigente, e não na Lei Antiterrorista.

No último fim de semana, a presidente prometeu enviar ao Congresso até o fim de seu mandato, em março de 2018, um projeto de lei para restringir o uso da legislação.

A ONU também se manifestou contra o uso da lei em disputas sociais, dizendo que deveria se limitar a casos de ameaça à segurança do país.

Já o ex-presidente conservador Sebastián Piñera, favorito a vencer a eleição do dia 19 (ele tem 43% das intenções de voto, segundo pesquisas), defende que a Lei seja aprimorada: "Em vez de minimizá-la, devemos aperfeiçoá-la, somando elementos usados para combater o narcotráfico", disse na última semana.

"Piñera saiu bem avaliado na economia mas não na luta contra a delinquência, é por isso que tem defendido da Lei Antiterrorista", afirma Navia à Folha.

"Bachelet, por sua vez, se opõe a essa legislação, mas não conseguiu pacificar a Araucanía [onde vivem os cerca de 2 milhões de indígenas mapuche chilenos]. Isso dá espaço para que a direita diga que não soube estabelecer o Estado de Direito no sul do país", completa Navia.

OUTROS CANDIDATOS

Há dois candidatos governistas nessa eleição (a aliança Nova Maioria, da presidente Bachelet, está rachada): o centro-esquerdista Alejandro Guillier, com 21% das intenções de voto nas pesquisas, e a democrata-cristã Carolina Goic, com 5%. Ambos defendem limitar o uso da Lei.

A esquerda, representada pela jornalista Beatriz Sánchez, em terceiro lugar (15%), também se opõe. Sua coligação, a Frente Ampla, defende o debate do conflito mapuche no âmbito político.

Para o deputado Giorgio Jackson, que integra a coligação, o conflito não pode ser resolvido de forma militar, e sim política. "É preciso pôr na mesa a questão da autonomia mapuche em parte do território", disse à Folha.


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