Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Resposta pesada de Madri à crise catalã poderia sair pela culatra

Todos os observadores da política espanhola sabem da questão catalã há décadas. Mas poucos acreditavam que chegaria a esse ponto: um voto formal pela independência pelo Parlamento catalão, desafiando o governo.

Para visitantes ocasionais de Barcelona, era tentador tratar o nacionalismo catalão como um teatro local colorido, algo que dava um sabor extra a "El Clásico", a partida de futebol entre o Barcelona e o Real Madrid.

O movimento independentista catalão não tinha o aspecto violento e ameaçador do nacionalismo basco, que levou à criação do movimento terrorista ETA.

Por essa razão, até recentemente as autoridades em Madri pareciam muito mais preocupadas com a ameaça de secessão vinda do País Basco do que aquela vinda dos catalães.

Mas a linguagem usada pelos dois lados vem sendo desconcertantemente dura há tempos. É comum ouvir nacionalistas catalães se referindo ao governo espanhol como "fascistas', uma evocação da era Franco, quando todas as manifestações da identidade catalã eram suprimidas.

Muitos em Madri argumentam que o governo espanhol tem sido muito indulgente com o nacionalismo catalão.

Com esse pano de fundo e uma atmosfera cada vez maior de confronto, o risco de ter que recorrer à força é muito real. Como disse um observador estrangeiro em Madri: "Perdi a conta de quantas vezes me disseram que 'dois tanques na Plaça de Catalunya e tudo isso acaba'".

Ficará para os historiadores do futuro debater por que, após borbulhar por décadas, a questão catalã transbordou em 2017. Alguns na Espanha põem a culpa nos anos de austeridade e desemprego algo que se seguiram à crise de 2008. Nesse sentido, os acontecimentos na Espanha poderiam ser vistos como parte de uma perturbação geral na política do Ocidente que também levou à eleição de Donald Trump e ao "brexit".

Outros apontam uma origem mais especificamente espanhola para a crise. Existe um argumento de que o federalismo assimétrico da Constituição Espanhola ""adotado como parte da transição do país à democracia"" é intrinsecamente instável.

Outras partes do acordo pós-Franco, em particular o "pacto do esquecimento", pelo qual todos os lados concordaram em enterrar disputas da guerra civil espanhola, podem também ser, em última instância, insustentáveis.

Jon Nazca - 27.out.2017/Reuters
Comemoração pelo voto pró-independência no Parlamento catalão, em Barcelona, na sexta (27)
Comemoração pelo voto pró-independência no Parlamento catalão, em Barcelona, na sexta (27)

A entrada da Espanha na União Europeia deveria ter sido uma parte crucial da criação de um Estado moderno e democrático. Mas a existência da UE também tornou plausível a ideia da Catalunha independente, já que tornou possível argumentar que a região poderia ser um pequeno Estado próspero debaixo do guarda-chuva da UE.

Em todo caso, a UE não encorajou de nenhuma forma os separatistas. Isso ajuda a fortalecer a posição espanhola ao lidar com a crise.

O governo espanhol tem a lei do seu lado. Ele também enfrenta uma Catalunha dividida, com cerca de 50% do público catalão contrário à independência.

O perigo, porém, é de que o governo Rajoy aposte alto demais. Uma resposta muito dura de Madri pode sair pela culatra e criar o apoio claro da maioria à independência, que hoje não existe.


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