Folha de S. Paulo


Temas cristãos dominam comércio em Gana

Eduardo Asta/Arquivo Pessoal
Serviços identificados com motivos religiosos são onipresentes em cidades como Kumasi
Serviços identificados com motivos religiosos são onipresentes em cidades como Kumasi

A placa do mercadinho diz God First Delicious Market (Deus em primeiro Mercado Delicioso). O vizinho exibe o slogan Thank You Jesus Barbering Shop (barbearia Obrigado, Jesus). Na esquina seguinte, a barraca se chama My Redeemer Lives Fast Food (Fast-food Meu redentor vive). E cinco metros à frente vê-se o armazém Sweet Jesus Home Store (Artigos domésticos Doce Jesus).

Na maioria das cidades de Gana é assim: nota-se uma sequência de estabelecimentos cujos nomes exaltam o cristianismo. A religião, introduzida no país por ondas missionárias de diferentes origens, exerce forte influência no modo de vida dos ganenses –71% dos 26 milhões de habitantes são cristãos.

Homens e mulheres usam roupas discretas, sem decotes; jovens andam com a Bíblia nas mãos; a semana nas escolas começa e termina com orações; e, aos domingos pela manhã, os vibrantes mercados abertos morrem, pois todos vestem suas melhores roupas, separam seu dízimo e vão à missa.

Nos negócios, não é diferente. "Se conseguimos abrir um comércio, temos de agradecer a Deus. Se quisermos ter sucesso, devemos enaltecer a nossa fé nele", explica Afia Ofori, dona loja Jesus Is My All In All Fashion (Jesus é Tudo para Mim Modas), em Kumasi, a segunda maior cidade do país.

A primeira vez que os preceitos cristãos chegaram ao país africano foi no século 15, quando Gana era chamada de Costa do Ouro e atraiu exploradores portugueses, belgas e britânicos. Mas o cristianismo moderno ali é resultado do trabalho de missionários mais recentes.

Eduardo Asta/Arquivo Pessoal
O cristianismo é exaltado em estabelecimentos de rua
O cristianismo é exaltado em estabelecimentos de rua

EDUCAÇÃO RELIGIOSA

Foi um trabalho surpreendentemente eficaz: as cidades têm praticamente uma igreja a cada esquina. Católicas, presbiterianas, evangélicas ou metodistas, elas ocupam de galpões com pé-direito alto a pequenas salas com estrutura mínima. Seus pastores e líderes chegam a ter status de celebridade, estampando pôsteres como se fossem estrelas de filmes.

O sucesso dos missionários justifica-se sobretudo pelo uso da educação como moeda de conversão religiosa.

Quando os padres precursores lá desembarcaram, no fim do século 19 e início do século 20, eles aproveitaram os preceitos colonialistas, em que europeus eram vistos como sinônimo de poder.

Montaram suas igrejas e também escolas. Afinal, pensavam, quem não quereria ter o conhecimento que um homem branco tinha?

Católicos franceses instalaram missões em Elmina, no litoral, e logo uma escola que seguia o método de ensino europeu. Alemães protestantes fizeram o mesmo na região de Volta, no leste. E britânicos metodistas no centro.

Até 1950, as igrejas cristãs já haviam se espalhado por todo o território de Gana.

Elas consequentemente alteraram valores antes pautados nas crenças tradicionais e mudaram o modo de vida da população. Ainda hoje, dominam o ensino de qualidade, o que é diretamente relacionado com o avanço socioeconômico do país nas últimas cinco décadas.

Apesar de também se render à influência missionária, a porção norte de Gana foi a que mais conseguiu manter tradições islâmicas, reflexo do comércio com o norte da África. As belas mesquitas de cidades como Tamale e Waib indicam que boa parte de seus moradores ainda é muçulmana –eles perfazem 18% da população total do país.

Mas os que glorificam Alá convivem muito bem com os recém-convertidos ao cristianismo. Até nos negócios. Estabelecimentos com placas escritas em árabe são frequentados por católicos e evangélicos, que chegam em carros com mensagens como "God is God" (Deus é Deus") ou "Shower of Blessing" (chuva de bênçãos).

As porções sul (região de Acra, a capital) e centro (Kumasi) foram as que mais aceitaram o cristianismo, e são as escolhidas por novas levas de pastores e padres, majoritariamente britânicos ou americanos. Eles aproveitam que o inglês, língua oficial, é dominado pelas novas gerações e tentam ampliar o rebanho.

PASTORES EMPREENDEDORES

Algumas igrejas carismáticas e pentecostais têm ganhado terreno em Gana nas últimas duas décadas.

Seus pastores continuam a evangelizar em igrejas, nas ruas –com um microfone e caixa de som, pregam incansavelmente durante o dia todo– e de porta em porta.

Atraem jovens em busca do sucesso nos negócios usando um discurso que afirmaque "se você reza, Deus te dará". São os mesmos empreendedores que mais tarde enaltecem sua fé nos slogans de lojas e restaurantes.

Alguns usam humor para chamar a atenção. Kumasi tem um chaveiro chamado Heaven's Door Key Service (chaveiro porta do céu).

Em Techiman, na região central de Gana, vê-se passar pelas ruas o carro da autoescola Jesus Is The Way (Jesus é o caminho). E em Acra há a loja de celulares "Talk to Jesus" (fale com Jesus) e a farmácia Divine Pills (pílulas divinas). Outros empreendedores cristãos atribuem a responsabilidade ao todo-poderoso. É o caso do cabeleireiro God's Wish (vontade de Deus), também em Acra.

A capital já teve ainda a farmácia When God Is Not Enough (quando Deus não é suficiente), mas hoje só o slogan um tanto enferrujado permanece ali. Aparentemente o nome não atraiu a clientela local, e o negócio faliu.


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