Folha de S. Paulo


Democratas vivem crise de identidade e racha após Trump

J. Scott Applewhite/Associated Press
O Partido Democrata rumina os efeitos do discurso de Bernie Sanders contra Hillary Clinton em 2016
O Partido Democrata rumina os efeitos do discurso de Bernie Sanders contra Hillary Clinton em 2016

Nos corredores da conferência anual do Comitê Nacional Democrata realizada na última semana, em Las Vegas, um dos assuntos recorrentes foi o quanto os ataques do senador Bernie Sanders, há mais de um ano, contribuíram para a derrota de Hillary Clinton contra Donald Trump em 2016.

"Ninguém estava falando sobre políticas públicas ou sobre como reconquistar os eleitores que perdemos para o Trump, mas sobre quem disse o que nas eleições", reclama Mark Longabaugh, um dos assessores de Sanders na campanha do último ano. "Isso não leva a lugar nenhum e é perigoso para o partido."

Olhar demais "para trás" é só um dos problemas do Partido Democrata, que hoje, quase um ano após a eleição, também enfrenta um de seus períodos de maior divisão interna e com pouco espaço para o surgimento de novas lideranças.

De um lado está a ala fiel a Sanders, que defende uma guinada do partido à esquerda como forma de tentar dialogar com a classe operária que votou em Trump. Do outro, estão os democratas moderados, que temem um mudança mais radical na legenda. O partido deve seguir dividido para as eleições legislativas de 2018.

"Os democratas sempre tiveram um problema com a ala mais à esquerda, de fazer com que eles se envolvessem", diz o consultor democrata Thomas Mills, lembrando que muitos democratas mais liberais preferiram votar no candidato do Partido Verde Ralph Nader, em 2000, do que em Al Gore, que perdeu numa eleição apertada para George W. Bush.

Para Mills, no entanto, a disputa interna entre os democratas no momento em que são minoria no Congresso e estão fora da Casa Branca é uma "burrice".

"Não é um movimento inteligente ficar se envolvendo em desentendimentos sobre políticas que não interessam enquanto eles não tiverem algum tipo de poder", diz o democrata da Carolina do Norte, que disputou, sem sucesso, um dos assentos da Câmara em 2016.

Longabaugh, porém, acredita que a discussão de políticas tem que ser feita neste momento de recuperação do partido após a derrota.

"Há moderados que querem ir em outra direção, mas se olharmos para as áreas de classe operária dos Estados que perdemos em 2016, vemos que o partido precisa de uma agenda econômica mais próxima a eles", diz.

"O único que tem abordado essa agenda é o Bernie Sanders. Não sei o que os moderados do partido têm a oferecer para trazer esses eleitores de novo", completa. Após disputar a candidatura democrata, Sanders voltou a ser independente, mas vota com a legenda, onde também deixou um grande grupo de apoiadores.

As eleições para o governo da Virgínia, no próximo dia 7, têm sido vistas por democratas como um termômetro para saber se o discurso de Sanders tem realmente apelo na disputa contra os republicanos. "Se o Tom Perriello [apoiado por Sanders] vencer, a ala de Sanders vai ter mais força em seu pleito para forçar o partido à esquerda", afirma o professor Gary Nordlinger, da Universidade George Washington.

Para ele, é evidente que o desafio atual para os democratas é atrair os eleitores "esquecidos" que elegeram Trump. "Mas eles estão perdendo essa batalha, com um foco de ataques ao Trump e sem desenvolver políticas e mensagens que se dirijam a esse público. E o pior para os democratas é que esses eleitores veem os ataques ao Trump como um ataque a eles."

VELHA GUARDA

Outro problema dos democratas é a ausência de novos líderes no partido. O anúncio, neste mês, de que a senadora Dianne Feinstein, 84, senadora há 25 anos pela Califórnia, concorrerá novamente ao cargo em 2018 ilustra as dificuldades do partido em abrir espaço para os mais jovens.

Segundo um levantamento do site FiveThirtyEight, a média de idade dos parlamentares democratas é 61 anos, a maior desde 1947 (a dos republicanos é 57). Sanders tem 76, e a líder da minoria democrata na Câmara, Nancy Pelosi, tem 77.

"Temos uma liderança que é mais velha e, muito provavelmente, não está tão em sintonia com a base de jovens que os democratas montaram", afirma Mills.

Nomes como os irmãos gêmeos Julián (secretário de Habitação de Obama) e Joaquín Castro (deputado pelo Texas), 43, por exemplo, antes vistos como promessas do partido, estão apagados.

Os democratas se dividem também sobre que papel o ex-presidente Obama deve ter para o partido agora. "Temos que ter espaço para novos líderes. Nós realmente não precisamos de um ex-presidente que se transforme no guia a ser seguido", opina Mills. Pelo menos por enquanto Obama tem demonstrado que não quer esse papel.


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