Folha de S. Paulo


Crise entre autoridades espanholas e catalãs se agravou a partir de 2006

As explicações dos catalães separatistas podem remontar a datas longínquas como 1714 , quando o rei espanhol Felipe 5º tomou Barcelona. Já seus detratores evocam a união de reinos espanhóis no século 15.

Ao olhar para longe, ambos os lados por vezes se esquecem do horizonte próximo: 2006. Foi a partir desse ano que uma série de gestos políticos em Madri e Barcelona agravaram a tensão.

Yves Herman/Reuters
Manifestantes pró-independência agitam bandeiras durante queima de fogos em Barcelona nesta sexta
Manifestantes pró-independência agitam bandeiras durante queima de fogos em Barcelona nesta sexta

O governo regional aprovou em 2006 seu estatuto de autonomia , conhecido pelo termo catalão "estatut". O documento tratava a Catalunha como "nação", o que enfureceu os conservadores do Partido Popular de Mariano Rajoy —então na oposição, hoje premiê.

O Partido Popular levou o caso ao Tribunal Constitucional, que em 2010 anulou 14 artigos do texto. A corte barrou, por exemplo, a prioridade da língua catalã sobre o espanhol.

A decisão da Justiça espanhola foi vista como desdém da vontade popular catalã e alimentou os protestos anuais pela secessão.

"A decisão do Tribunal Constitucional abriu as portas ao desconhecido", disse à ´*Folha* Albert Royo, diretor-geral do Conselho de Diplomacia Pública, criado pelo governo catalão para fazer as vezes de Ministério das Relações Exteriores.

"Foi um gesto agressivo que levou muitas pessoas às ruas. Os eleitores que eram federalistas se tornaram independentistas", diz Royo.

Naquele contexto, Artur Mas, então presidente regional, convocou o plebiscito separatista de 2014. A consulta, não vinculante, teve 80% dos votos no "sim", mas com a participação de apenas 37% do eleitorado.

Outros setores da Catalunha, avessos à independência, interpretam a crise do "estatut" de outra forma: "Se considero um erro um tribunal constitucional se pronunciar sobre uma lei? Democracia é isso", disse José Rosiñol, um dos líderes da Sociedade Civil Catalã, contrária à separação.

"O 'estatut' foi um gancho para o vitimismo do governo regional catalão, que passou a dizer que a Espanha é um Estado repressor."

CAVALEIRO

Carles Puigdemont , atual líder catalão, organizou seu plebiscito em 1º de outubro deste ano. Para os independentistas, outra vez o Estado espanhol se excedeu: o Tribunal Constitucional considerou a consulta ilegal , e a Polícia Nacional usou força para impedi-la.

Os embates entre eleitores e forças de segurança deram fôlego aos separatistas, assim como a cifra de quase 900 feridos —que Madri acusa Barcelona de inflar.

Catalães alegam que o governo de Rajoy não quer dialogar. Royo diz que Madri é pautada por um "orgulho de cavaleiro" típico de Castela, como o do personagem Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616).

"Eles são totalmente intransigentes, ao ponto de por em risco toda a democracia. Em vez de reduzir a tensão, colocam gasolina."

A crise chega a seu ápice com gestos controversos dos dois lados: Barcelona em uma plenária separatista e Madri votando a destituição do governo catalão.


Endereço da página:

Links no texto: