Folha de S. Paulo


Estrela de TV, filha de mentor de Putin quer concorrer à Presidência da Rússia

Filha do mentor político de Vladimir Putin, Ksenia Sobchak estreou nesta semana no papel de pré-candidata de oposição à Presidência da Rússia nas eleições marcadas para março de 2018.

Estrear é um verbo adequado. Socialite cuja vida é acompanhada pelas redes sociais por milhões de seguidores, a jovem que completará 36 anos em novembro é uma celebridade de TV que já foi chamada de "a Paris Hilton da Rússia" —ao menos no tempo em que a americana tinha lá seus minutos de fama.

Maxim Shemetov - 24.out.2017/Reuters
Celebridade da TV russa e filha de mentor de Putin, Ksenia Sobchak tentará concorrer à Presidência
Celebridade da TV russa e filha de mentor de Putin, Ksenia Sobchak tentará concorrer à Presidência

Fashionista assumida e editora de moda, ex-modelo (foi capa da "Playboy" russa em 2006) e ex-"solteira mais cobiçada da Rússia" (casou e tem um filho de quase um ano chamado Platão), Ksenia havia anunciado sua intenção de concorrer numa carta na semana passada ao jornal econômico "Vedomosti".

Nela, defendia alternância de poder e falava genericamente em uma plataforma liberal para a economia.

Sua credencial política mais marcante é a de ser filha de Anatoli Sobchak, o primeiro prefeito eleito democraticamente em São Petersburgo, no ocaso da União Soviética, em 1991.

Ele montou um time que incluía, na área de relações internacionais, um espião egresso da KGB, com passagem pela Alemanha, chamado Vladimir Putin —que ascendeu até virar um de seus dois braços direitos.

Derrotado na busca pela reeleição em 1996, quando se viu traído pelo outro adjunto, Sobchak foi acusado de corrupção e deixou o país.

Voltou para apoiar Putin após o pupilo ter virado primeiro-ministro do governo Boris Ieltsin, em 1999.

Em fevereiro de 2000, quando Putin era presidente interino e candidato favorito ao pleito de março, Sobchak morreu de ataque cardíaco, embora persista até hoje a suspeita de envenenamento.

Ksenia mantém relação dúbia com o presidente. "Para alguns, Putin é um tirano, para outros, um salvador. Estou numa situação difícil. Ele ajudou meu pai, praticamente salvou sua vida", disse.

Nesta terça (24), Ksenia apresentou-se a jornalistas em Moscou do outro lado do balcão: ela comanda um talk-show na rede de TV oposicionista Dojd.

"DE SHOW EU ENTENDO"

"Vocês podem rir de mim, mas eu entendo de show business", disse, com autoridade de quem foi a mais popular apresentadora de reality show do país, uma versão local do "Big Brother" chamada "Casa-2" entre 2004 e 2012.

Falou sobre tema sensível, considerando a Crimeia reabsorvida pela Rússia em 2014 como território ucraniano e pedindo união contra Putin, e encadeou frases de efeito.

"Meu trabalho é reescrever as regras do show, trazer uma nova face para ele", disse.

Para a maioria dos analistas políticos russos, contudo, Ksenia é um "projekt", uma concessão do Kremlin para canalizar a um nome inócuo votos de protesto anti-Putin.

Segundo essa visão, ela repetiria com glamour o papel que coube ao oligarca oposicionista Mikhail Prokhorov em 2012, quando o bilionário ficou em terceiro lugar com 8% dos votos.

Não que ele estivesse a soldo do Kremlin, mas funcionou como uma oposição consentida para dar verniz democrático a um pleito que acabou como todos desde 2000: nas mãos de Putin e de seus aliados. O presidente retém mais de 80% de aprovação.

Ao longo da semana, Ksenia concedeu entrevistas negando isso, mas não conseguiu convencer pela falta de um plano claro de governo.

O chefe da campanha será Igor Malashenko, um liberal ex-estrategista de Ieltsin, que disse estar no barco porque Ksenia prometeu cooperar com o blogueiro de oposição Alexei Navalni caso ele consiga ser candidato.

Navalni, responsável por mega-atos contra o governo e visto pela oposição tradicional como outro potencial "projekt", está impedido de concorrer por uma condenação judicial que ele diz ser política. Ele criticou a postulação de Ksenia.

Para disputar como independente, ela terá de amealhar 300 mil assinaturas nas 85 regiões do país —que não são 300 mil "likes", e passam por um duro escrutínio feito para barrar candidaturas.

Pode conseguir se tiver o equivalente a R$ 57 milhões prometidos por empresários, como se comenta em Moscou.

No páreo, adicionará colorido a uma campanha que tem tudo para ser cinzenta, restando saber se algum outro papel lhe caberá ao final.


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