Folha de S. Paulo


Espanha subestimou nacionalismo, diz líder catalão anti-independência

Um dos defensores mais enérgicos de que a Espanha destitua o governo regional da Catalunha em resposta aos anseios separatistas deste é justamente um catalão: Albert Rivera, 37, líder do influente partido de centro-direita Cidadãos.

Peça fundamental na formação do governo atual do Partido Popular, do premiê Mariano Rajoy, ele pediu repetidas vezes que o Artigo 155 da Constituição fosse acionado — o que ocorreu no último sábado (21).

Pau Barrena/AFP
Leader of the Center-right party Ciudadanos, Albert Rivera gestures as he delivers a speech at the party's headquarters in Barcelona on October 21, 2017. Spain said Saturday that it will move to dismiss Catalonia's separatist government and call fresh elections in the region in a bid to stop its leaders from declaring independence. / AFP PHOTO / PAU BARRENA
O catalão Albert Rivera, líder do partido Cidadãos, defende dissolução do governo pró-independência

Essa medida deve ser aprovada pelo Senado na sexta-feira (27) e acarretará a cassação do poder do presidente catalão, Carles Puigdemont , e a antecipação das eleições regionais.

Rivera critica a condução das negociações com a Catalunha pelo governo central. "Perdemos muito tempo com cartas, enviando fax", afirma, em referência à longa troca de missivas públicas entre Rajoy e Puigdemont.

"O governo atual e o de José Luis Zapatero [2004-2011] foram os que mais subestimaram o poder do nacionalismo, de propaganda e de comunicação. Não deram importância enquanto crescia o nacionalismo catalão."

O fato de Rivera ter nascido em Barcelona torna sua crítica ainda mais incômoda aos ouvidos dos partidários da secessão.

A família dele ainda vive no entorno da cidade. Em setembro, a loja de quitutes de sua mãe foi pichada com a mensagem "Cidadãos, esta não é a sua terra nem a sua luta".

"Eu sei o que é ser um catalão que quer ser espanhol na Catalunha. Sei o que é ser ameaçado de morte, ter a família ameaçada, ter que andar com segurança", afirma à Folha no Congresso dos Deputados, em Madri.

"O nacionalismo está gerando uma ruptura da convivência. Essa é uma ideologia que evidencia o distinto, o diferente. O paradoxo é que, na Catalunha, os dissidentes, os que não apoiam o independentismo, são maioria. Somos dissidentes em nossa própria terra", diz Rivera.

Ele compara a crise catalã com o populismo da ex-candidata da direita nacionalista Marine Le Pen na França e com o presidente dos EUA, Donald Trump.

"Seremos mais altos, mais bonitos, teremos mais dinheiro. Não deixa de ser uma solução mágica", diz, em referência à plataforma de candidatos de perfil populista.

"O que surpreende na Catalunha é que isso aconteceu [essas promessas encontraram eco] em uma sociedade próspera. Foi uma espécie de revolução pós-moderna de celulares, fotos e propaganda."

'RESET'

A Catalunha é uma região espanhola já dotada de alguma autonomia. Mas o projeto de independência tem ganhado força e culminou em um plebiscito em 1º de outubro. Considerado ilegal por Madri , teve 43% de participação e 90% dos votos no "sim".

Rivera foi um dos primeiros políticos a exigir que o governo de Rajoy freasse os independentistas. Quando ainda se falava em convencer o presidente regional Puigdemont a voltar atrás na separação, o Cidadãos fazia campanha pela ativação do Artigo 155.

Esse artigo da Constituição prevê intervenções pontuais na autonomia de uma região para forçá-la a abandonar um curso considerado ilegal pelo governo central.

"Esse processo não terá fim até que haja um 'reset' institucional", diz Rivera. "Mas o objetivo não é a suspensão sem prazo, para sempre. É para recompor a democracia. Temos que devolver a voz ao povo catalão para que escolha suas instituições. Acreditamos que em janeiro vamos às urnas."

O risco, para parte do governo central, é que os separatistas ganhem ainda mais força nas eleições antecipadas —a princípio, só haveria pleito no fim de 2019.

"Vejo o contrário. Eles têm perdido força", afirma o líder do Cidadãos.

Eleitores separatistas podem ser convencidos, acredita ele, pelas derrotas das últimas semanas: mais de mil empresas deixaram a comunidade autônoma desde o início de outubro, e a União Europeia declarou não reconhecer uma Catalunha independente.

Há também outra perspectiva desalentadora para a liderança separatista. Caso o presidente regional Puigdemont vá adiante na declaração de independência , desafiando Madri, deve ser acusado de rebelião –o que, no país, rende 30 anos de prisão.

A reportagem pergunta a Rivera se tal cenário não teria impacto muito severo na percepção popular."O Ministério Público tem a obrigação institucional de processar os delitos. Não é uma opção."

Puigdemont insiste em que a crise seja resolvida com o diálogo. "Mas o limite é a lei", afirma Rivera.

"Você me leva a um quarto e me diz 'ou me dá o que quero, ou explodo esse lugar'... Não posso aceitar a chantagem como método. Eles sabem que estão começando a perder a batalha e apelam à palavra mágica: diálogo."


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