Folha de S. Paulo


Apesar de vitória, Abe vai precisar de habilidade política por reformas

A última coisa que Shinzo Abe esperava quando anunciou eleições gerais no Japão quatro semanas atrás foi o que ele obteve: uma vitória consistente e um mandato para buscar seu objetivo político de uma vida, revisar a Constituição pacifista.

Atingido por uma série de pequenos escândalos, o primeiro-ministro conservador iniciou a campanha com taxas de aprovação negativas. A maioria de seus auxiliares acreditava que sua coalizão ganharia, mas perderia assentos na Câmara. Em vez disso, ele triunfou, mas menos graças a seu próprio brilho e mais devido a uma desastrosa falha de cálculo de Yuriko Koike, governadora de Tóquio e sua principal adversária.

Apesar da vitória, o processo ainda deve ter importantes consequências. Revisões à Constituição japonesa precisam ser ratificadas em referendos nacionais, e o apoio ao primeiro-ministro é mais frágil do que o resultado das eleições deste domingo (22) faz parecer.

Abe convocou as eleições para tirar vantagem da tibieza da oposição. Ele sabia que Koike estava se preparando para concorrer e deliberadamente antecipou as eleições para outubro, antes que ela estivesse pronta para isso. Mas seus auxiliares ficaram desconfortáveis com o frenesi midiático depois que ela fundou o novo Partido da Esperança.

"Um vento parece estar soprando", disse um ministro do gabinete no começo da campanha. "Só não sei para que lado." No momento em que Koike lançou sua campanha, o analista político Takao Toshikawa estimou que ela poderia ganhar 150 assentos.

O desconforto virou preocupação na primeira semana, quando o Partido Democrático –cuja desorganização foi uma das razões para Abe se sentir seguro para dissolver a Câmara baixa– se desmembrou e liberou seus candidatos a se aliar ao Partido da Esperança, de direita. "Não acredito", teria dito o primeiro-ministro aos auxiliares.

Mas o que parecia ser uma grande tacada de Koike se revelou um erro de cálculo que condenou a campanha da oposição.

Para começar, trouxe à tona a bagagem do antigo Partido Democrático, criticado por seu desastroso mandato (2009-2012). Abe rapidamente adotou a estratégia de atacar o Partido da Esperança como sendo o antigo inimigo com novo nome.

O partido também levou muitos liberais e esquerdistas alheios à própria política de Koike de "reformismo conservador". Ela impôs uma espécie de "teste de pureza conservadora", baseado no apoio à controversa lei de segurança de Abe, de 2015, e excluiu muitos candidatos.

Esse tratamento brutal a políticos conhecidos, incluindo o ex-primeiro-ministro Naoto Kan, levou a reações negativas. Alguns liberais decidiram concorrer como independentes. Outros formaram uma nova sigla, o Partido Democrata Constitucional (centro-esquerda), rachando a oposição ao meio e abrindo caminho para os candidatos pró-Abe em distritos que usam o sistema de maioria simples.

"O maior erro de Koike foram essas exclusões, e sua arrogância foi a razão para isso", diz Toshikawa.

Eliminar a oposição deixou como única alternativa a Koike fazer uma grande campanha nacional, em vez de se concentrar esforços em Tóquio. Nesse momento, a aposta de Abe valeu a pena, porque, sem tempo para se preparar, o Partido da Esperança estava sem recursos.

Conforme as pesquisas de opinião começaram a virar o jogo, Koike recuou da campanha –declinando de concorrer–, o que reforçou a tendência das sondagens. "Koike é uma jogadora, mas não vai jogar se não puder vencer", define Toshikawa.

Com a oposição se autodestruindo, Abe fez o básico. Circulou pelas províncias, falando de seu histórico de reformas econômicas e da ameaça da Coreia do Norte, declinando da possibilidade de dar qualquer oxigênio a Koike ao atacá-la.

As pesquisas mostraram pouca injeção de entusiasmo por Abe, mas o contraste entre a estabilidade entre do seu Partido Liberal Democrata e o caos sob a oposição foi usado na campanha.

Koike, por sua vez, não entregou nada de muito substancioso desde sua vitória para o governo de Tóquio no ano passado.

Abe fica com um paradoxo: uma vitória eleitoral consistente, mas eleitores que não o amam. Ele vai precisar de toda a habilidade política para transformar isso em uma reforma constitucional.


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