Folha de S. Paulo


Será desastrosa saída dos EUA da Unesco, diz estudioso da organização

Mesmo que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) demonstre viés anti-Israel, os EUA e Israel não deveriam deixar a organização —como anunciaram, no dia 12 de outubro, que farão a partir de dezembro de 2018.

É o que diz o professor Steven Shankman, da Universidade do Oregon, titular da cátedra da Unesco em Estudos Transculturais, Diálogo Interreligioso e Paz. Em entrevista à Folha, Shankman diz que as consequências dessa medida, caso se confirme, serão desastrosas.

Jacques Demarthon - 12.out.2017/AFP
Sede da Unesco, em Paris; para estudioso do órgão, saídas dos EUA e de Israel serão desastrosas
Sede da Unesco, em Paris; para estudioso do órgão, saídas dos EUA e de Israel serão desastrosas

Shankman desembarcou em Israel para participar de uma reunião de 15 cátedras da Unesco (estudiosos afiliados à organização) em protesto às últimas resoluções relacionadas aos lugares santos em cidades como Jerusalém e Hebron, reconhecidos em algumas delas apenas como sagrados para muçulmanos, ignorando a denominação e a importância para judeus e cristãos. Eles anunciaram um abaixo-assinado contra a linguagem dessas resoluções.

Em 2016, uma resolução sobre o Monte do Templo se referiu ao local apenas pelo nome árabe (Haram al-Sharif). O Muro das Lamentações —local mais sagrado para os judeus— foi chamado de Al-Buraq. Neste ano, outra resolução declarou o Túmulo dos Patriarcas, em Hebron (onde estão enterrados patriarcas do judaísmo como Abraão, Isaac e Jacó) como um sítio palestino "em perigo".

O abaixo-assinado, organizado por Alberto Melloni, da Universidade de Bolonha, e Alon Goshen-Gottstein, do Instituto interreligioso Elijah, em Jerusalém, diz que "aplicar o poder da pressão política a sítios sagrados mina a credibilidade da Unesco".

O documento sugere uma nova metodologia de como decisões deveriam ser tomadas em situações de conflito religioso e narrativas conflitantes. A ideia é que resoluções nesse contexto só sejam redigidas depois de consulta a especialistas, historiadores e estudioso afiliados à Unesco e não sejam deixadas apenas nas mãos de burocratas ou representantes de países.

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Folha - Qual é a intenção desse abaixo-assinado?

Steven Shankman - Estamos tentando lutar contra a tentativa de apagar a História judaica da Terra Santa. Queremos que as resoluções da Unesco reflitam o verdadeiro significado dos locais sagrados para as várias comunidades da região. Recomendamos certos passos para evitar que essas coisas ocorram, no futuro. Que sejam aprovadas resolução mais claras, com precisão histórica.

Israel tem razão em reclamar das últimas resoluções?

Sim. Essas resoluções são chocantes. Mudar o nome de um lugar é algo profundo. Mas você pode ficar ofendido e sair, deixando que o chocante se torne o novo "normal", ou você pode trabalhar dentro da organização para mudar.

A Unesco é anti-Israel?

Não se pode dizer isso, mas há muitos membros que têm uma agenda política. A Unesco faz muitas coisas boas. Não é um órgão político, a priori. É muito comprometida com a educação sobre o Holocausto.

Quais serão as consequências da saída dos EUA da Unesco?

Se realmente acontecer, será um desastre.

Mesmo que essas organizações internacionais sejam imperfeitas, não há outra comprometida com educação, cultura e ciência a nível global além da Unesco. Ela passará a não refletir a realidade geopolítica do mundo. Quando você não tem um dos maiores atores do mundo fazendo parte, a questão sobre a viabilidade da própria instituição será levantada.

Os EUA afirmam que é uma maneira de protestar contra as últimas resoluções, que consideram anti-Israel.

Acho que eles deixariam a Unesco de qualquer maneira. A questão de Israel se tornou um pretexto. É parte do perfil da nova administração dos EUA, que está se retirando de acordos internacionais.

Israel também avisou que pretende sair. É a melhor opção?

Definitivamente não. Se ainda há alguma credibilidade restante da Unesco, elementos extremistas e tendenciosos serão os únicos a ficar. Não teremos capacidade de resistir ao processo de pura politização da entidade.

Qual é a opção?

Trabalhar dentro da organização para mudar a realidade. Você fica e luta pelo que é certo e verdadeiro. A direção da Unesco tem sido muito sensata. Não foi sequestrada por um grupo extremista.

A Unesco ainda é relevante? Há quem a chame de o "dinossauro agonizante".

Se perdermos organizações multilaterais como a Unesco, aí sim voltaremos à era pré-dinossauros. Há muita burocracia envolvida na Unesco. Mas ela ajuda na colaboração internacional. É um grande guarda-chuva que faz com que não seja necessário inventar a roda toda vez que alguém que cooperar internacionalmente. Nesse momento em particular do mundo, é muito importante, já que há uma contestação de toda a era pós-Segunda Guerra Mundial.


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