Folha de S. Paulo


Para mexicanos, protótipo de muro de Trump não é 'impenetrável'

Gregory Bull/Associated Press
Os protótipos do muro de Trump erguidos em San Diego, na fronteira com o México
Os protótipos do muro de Trump erguidos em San Diego, na fronteira com o México

Os protótipos de muro de fronteira de Trump estão ganhando forma este mês em uma área ensolarada de vegetação rasteira diante de um bairro decaído de Tijuana, no México. Enfileiradas, as amostras de barreira, com nove metros de altura e construídas de aço e concreto, algumas com bases muito espessas e outras encimadas por esporões metálicos, certamente parecem ameaçadoras.

Os requerimentos estabelecidos para realizar a visão do presidente Donald Trump são de uma "barreira impenetrável, impossível de escalar", disse Roy Villareal, comandante interino da patrulha de fronteira norte-americana no setor de San Diego. "Não haverá como escavar por sob ela. Não haverá como penetrá-la".

Mas nem mesmo esses grandes e ameaçadores blocos de concreto, o movimentado canteiro de obras, e a polícia e helicópteros que patrulham os dois lados da fronteira bastaram para impedir que meia dúzia de aspirantes a emigrar saltassem a cerca existente, no começo do mês, caindo bem no meio da área do projeto, de acordo com as autoridades de fronteira norte-americanas.

Muro em San Diego

Talvez eles tenham tido azar ao pular a cerca, ou tenham optado por uma estratégia obtusa, pretendendo se esconder no meio da multidão, mas a experiência deles é indicativa do que muitos mexicanos sentem sobre a barreira de Trump: não importa como ela seja construída, não vai funcionar.

"As pessoas continuarão a cruzar a fronteira, não importa o que esteja lá", disse Kevin Avila Rodriguez, 17, que recicla lixo e vive perto da área em que os protótipos de barreira estão sendo construídos. "Isso não mudará muito as coisas".

A reação da maioria dos mexicanos aos protótipos varia do ofendido ao blasé. Os moradores de Tijuana e de outras cidades na fronteira convivem com barreiras norte-americanas de diversas espécies há anos, e estão acostumados a elas. A cerca existente aqui, construída na metade dos anos 1990, tem cerca de três metros de altura e é feita de placas metálicas reaproveitadas de plataformas de aterrissagem de helicópteros que sobraram da guerra do Vietnã. Uma segunda camada, feita de malha de aço mais moderna e com altura de entre 4,20 e 4,80 metros, fica por trás da primeira linha de cercas.

A despeito dessa aparente força, o sistema de cerca dupla em San Diego foi "comprometido" —as cercas metálicas foram rompidas com o uso de machados, serras motorizadas ou maçaricos— cerca de 550 vezes só no mais recente ano fiscal, de acordo com agentes do Serviço Alfandegário e de Proteção de Fronteiras (CBP) dos Estados Unidos.

Uma ironia de construir esses protótipos reforçados no local escolhido é que San Diego demonstra há muito o quanto os muros são fracos. Não há local mais conhecido pela sofisticação de seus túneis sob a fronteira do que o bairro industrial de Tijuana, perto ao posto de fronteira de Otay Mesa. Joaquin "El Chapo" Guzman, líder do tráfico de drogas agora preso em Nova York, desordenou o comércio de narcóticos ao construir "supertúneis" na área, com profundidade de dezenas de metros, equipados com elevadores, ventilação e iluminação, para transferir vastas quantidades de cocaína à Califórnia. Sete túneis de diversos tamanhos foram identificados no setor de San Diego da CBP apenas este ano.

O solo aqui, nas palavras de um agente norte-americano, é "como um queijo suíço".

Trump prometeu que a barreira de fronteira vai impedir a passagem tanto de imigrantes ilegais quanto de drogas. Os dirigentes da CBP dizem, no entanto, que as barreiras em estudo provavelmente não teriam fundações fundas o bastante para bloquear túneis grandes e sofisticados.

No segundo dia da construção dos protótipos, um trabalhador de uma das construtoras envolvidas caiu de costas naquilo que Ralph DeSio, porta-voz da CBP, descreveu como "um buraco de 12 metros de profundidade", embora o incidente não tivesse relação com túneis construídos por traficantes de drogas e o trabalhador tenha saído ileso. "Não foi um bom primeiro passo", disse o porta-voz.

De lá para cá, a construção não para. Pelo final da semana passada, porções de cinco dos oito protótipos já estavam erguidas, empregando diferentes combinações de blocos de concreto e estacas metálicas. Cada empresa dispõe de uma área de 20 por 20 metros para construir seu protótipo.

O gerente do projeto pediu que as companhias envolvidas não colocassem placas que identificassem suas porções de muralha. Elas são: Caddell Construction (Montgomery, Alabama); ELTA North America (Annapolis Junction, Maryland); Fisher Sand & Gravel (Temple, Arizona); KWR Construction (Sierra Vista, Arizona); Texas Sterling Construction (Houston, Texas); W.G. Yates & Sons Construction (Filadélfia, Mississipi).

"Trata-se de um projeto único", disse o gerente do projeto, um executivo da CBP que falou sob a condição de seu nome não fosse mencionado porque ele não tem autorização para discutir a questão publicamente, em referência ao espaço limitado de construção e ao fato de que as empresas estão trabalhando lado a lado. "Assim, temos de confiar em nosso profissionalismo, cooperação e boa natureza. E até agora tudo tem corrido realmente bem".

Os protótipos estão sendo bancados pelo Departamento de Segurança Interna (DSI). Trump precisaria de aprovação do Congresso às verbas de construção antes que qualquer deles se torne um muro.

Mesmo assim, dirigentes da CBP disseram que pode ser que eles não escolham um só vencedor, mas sim optem por aproveitar aspectos de diferentes protótipos. Villarreal, o comandante do setor de San Diego, disse que apreciava o interesse de Trump na segurança da fronteira, e espera que a muralha possa reduzir o número de entre 70 e 100 imigrantes ilegais detidos em seu setor de fronteira a cada dia.

"A fronteira continua a ser muito fluida", ele disse.

O projeto vem atraindo a atenção dos curiosos, mas não causou grandes protestos. A polícia de San Diego considerou a possibilidade de restringir os manifestantes a uma "área de liberdade de expressão" perto do local de construção, mas não surgiram protestos em massa.

O governo mexicano se recusou a pagar pelo muro, mas não assumiu posição contra ela, afirmando que construí-la é direito soberano dos Estados Unidos. O progresso hesitante da renegociação do Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) preocupa muito mais as autoridades mexicanas que a muralha.

"Para mim, eles deveriam criar uma muralha ainda mais alta", disse um policial da cidade de Tijuana que estava em patrulha na fronteira perto do local de construção dos protótipos. "Assim os malucos, como aquele de Las Vegas, não virão para cá. Estou falando sério. O perigo é lá do outro lado. Acontecem homicídios demais do seu lado da fronteira".

Muitos mexicanos consideram o muro um insulto. Mas o policial discorda.

"Qual é o insulto, se ela ficar em seu país?", ele disse, falando sob a condição de que seu nome não fosse revelado porque não tinha autorização para se pronunciar publicamente. "O que me insulta é o governo do México, que não liga para seu povo. Esse é o insulto. O dinheiro que está sendo roubado em lugar de ser gasto em escolas, ciência".

Já que o projeto fica na fronteira com Tijuana, os moradores do lado mexicano têm a melhor vista para a construção. Os bairros próximos do local, como Las Torres e Nido de las Aguilas, são pobres e violentos, aglomerações de habitações precárias construídas à beira de ruas de terra. Dois carros queimados nos últimos 30 dias estão abandonados perto da cerca.

Os carros estão bem em frente da casa de Cesar, 60, um vendedor de plantas que pediu que seu sobrenome não fosse citado. Ele mora ali há 23 anos, e se lembra da época em que tanta gente ficava esperando para cruzar a fronteira ali perto que a área "parecia uma feira".

O número de emigrantes diminuiu. Ele não sabe por que os Estados Unidos necessitam de um novo muro agora.

"Acho que eles deveriam gastar o dinheiro em algo mais efetivo", ele disse. "Sempre haverá migração".

Outros moradores se sentem mais insultados com o projeto, que consideram um monumento em concreto ao fervor anti-imigrantes que está sendo fomentado nos Estados Unidos.

"O presidente lá do outro lado continua nos insultando, dizendo que somos os piores", afirmou Audelia Avila Rodriguez, 21, irmã de Kevin e que, como ele, trabalha com reciclagem. "Esse muro só serve para dividir famílias. É muito feio. É triste".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: