Folha de S. Paulo


Espanhóis vão às ruas em Barcelona contra a independência da Catalunha

Milhares de espanhóis da Catalunha e de outras partes do país invadiram, neste domingo (8), as ruas de Barcelona para manifestar sua oposição à independência da região, uma semana após o referendo de autodeterminação que desencadeou uma crise política sem precedentes em 40 anos.

Eles respondem ao chamado de um coletivo anti-independência, cujo slogan é "Chega! Recobremos a sabedoria", e se vê como a "maioria silenciosa" que não teve voz desde quando as autoridades separatistas organizaram a votação.

De acordo com a polícia, os atos reuniram cerca de 350 mil pessoas. Os organizadores dizem ter juntado 950 mil pessoas.

Os separatistas ameaçam declarar a independência de forma unilateral nos próximos dias, alegando ter recebido o apoio de 90,18% dos eleitores no referendo.

"Nós não queremos a independência. Mantivemos silêncio por muito tempo", disse Alejandro Marcos, um trabalhador da construção civil de 44 anos de Badalona, subúrbio de Barcelona.

De acordo com pesquisas, apesar de a maioria dos catalães defender a realização de um referendo formal, pouco mais da metade se opõe à independência de sua região.

Por enquanto, o impasse é total entre o chefe do governo conservador espanhol, Mariano Rajoy, e as autoridades separatistas.

O líder catalão Carles Puigdemont pede uma "mediação internacional", mas Mariano Rajoy se nega a dialogar até que os separatistas abandonem a ameaça de ruptura.

"O que eu quero é que a ameaça de declaração de independência seja retirada o mais rápido possível", porque "nada pode ser construído se a ameaça à unidade nacional não desaparecer", disse ele neste domingo ao jornal "El Pais".

Em Barcelona, um grande número de pessoas chegava de outras partes da Espanha, incluindo Madri, onde duas manifestações já haviam reunido milhares de espanhóis no sábado (7) –uma pela "unidade" da Espanha e outra pelo "diálogo".

A concentração em Barcelona é apoiada pelo Partido Conservador de Mariano Rajoy, pelo Partido Socialista catalão e pelo Ciudadanos, a principal força de oposição ao movimento de independência na Catalunha.

Mario Vargas Llosa, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, de nacionalidade peruana e espanhola, discursou, afirmando que "a democracia espanhola está aqui para ficar, e nenhuma parcela da independência irá destruí-la". "Queremos que a Catalunha se torne a capital cultural da Espanha como era quando eu vim morar aqui", disse Vargas Llosa, que morava na capital catalã na década de 1970 e acusou o nacionalismo de causar "estragos."

"A paixão pode ser destrutiva e feroz quando é fanatismo e racismo. O pior de tudo, que causou mais danos na história, é a paixão nacionalista. A Espanha também é uma terra de liberdade, de legalidade, que a independência não a destruirá. É preciso muito mais do que um golpe de estado (...) para destruir o que eles construíram 500 anos de história, não vamos permitir", disse ele.

"Aqui somos cidadãos pacíficos que acreditamos na convivência e na liberdade. Mostramos esses independentistas minoritários que a Espanha é um país moderno", declarou Vargas Llosa.

"Uma declaração unilateral (de independência) faria o país em pedaços", explicou ao jornal "ABC" Mariano Gomà, presidente da Societat Civil Catalana, uma organização anti-independência que organizou o evento.

Gonzalo Fuentes/Reuters
O escritor Mario Vargas Llosa discursa em Barcelona, durante manifestação contra a independência da Catalunha
O escritor Mario Vargas Llosa discursa em Barcelona, durante manifestação contra a independência da Catalunha

"NÃO DESCARTO NADA"
Mariano Rajoy, por sua vez, ameaçou suspender a autonomia da região, uma medida nunca aplicada nesta monarquia parlamentar extremamente descentralizada, o que poderia provocar distúrbios na Catalunha.

"Não descarto nada", declarou, a respeito da aplicação do artigo 155 da Constituição que permite essa suspensão.

Ele lançou um apelo aos nacionalistas catalães mais moderados para que se afastem dos "radicais" da CUP (Candidatura da Unidade Popular, extrema esquerda), com os quais se aliaram para ter uma maioria no Parlamento catalão.

A chamada coincide com a partida de várias grandes empresas catalãs, o que também pode semear dúvidas entre alguns nacionalistas conservadores.

Cerca de 15 empresas, incluindo o CaixaBank e o Banco de Sabadell, decidiram desde quinta-feira transferir suas matrizes para fora da Catalunha, que representa 19% do PIB espanhol.

Empresas com sede na Catalunha "estão muito preocupadas, terrivelmente preocupadas. Nunca pensei que chegaríamos a este ponto", declarou ao jornal conservador "ABC" Juan Rosell, presidente da CEOE, organização dos principais empregadores espanhóis.

A independência tem conquistado terreno na Catalunha desde 2010, alimentada pela crise econômica e pelo cancelamento parcial de um status de autonomia que dava à região maiores poderes.

Mas, neste momento atual, ganhou uma intensidade sem precedentes, uma vez que os líderes separatistas da Catalunha organizaram esta consulta, que foi proibida pela Justiça, marcada pela violência policial, cujas imagens rodaram o mundo.

De acordo com o Executivo catalão, 2,04 milhões de pessoas votaram "sim" à independência em 1º de outubro, com participação de 43%, em resultados não verificável, na ausência de uma comissão eleitoral neutra.


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