Folha de S. Paulo


Fugi para sobreviver, diz salvadorenho jurado de morte por gangue

Adriano Vizoni/Folhapress
FRONTEIRA MEXICO GUATEMALA - MINHA HISTORIA. Marcos Hernandes, 20 anos, imigrante salvadorenho que mora na Casa do Imigrante, pequeno albergue pertencente a Associação Scalabrinianos
Marcos Hernándes, 20 anos, imigrante salvadorenho que mora na Casa do Imigrante, no México

RESUMO - Marcos Hernández, 20, e sua família são perseguidos por uma gangue de San Miguel, em El Salvador, país centro-americano que tem a segunda maior taxa de homicídios do mundo. Ameaçado de morte pelos criminosos, que assassinaram uma tia e dois de seus amigos, ele fugiu para o México em julho deste ano. Desde então, não fala com a mãe nem com o filho, pelo risco de que a gangue os mate.

*

Há dois anos a gangue que dominou meu bairro ameaça a mim, à minha família e aos meus amigos. Não sei como e por que eles ficaram com um ódio tão grande de nós.

Quando a gente era adolescente, eu e meus primos começamos a fazer amizade com nossos vizinhos e formamos um grupinho. Éramos muito unidos: sentávamos para tomar sol na rua, jogávamos bola no campinho do bairro, ou seja, uma vida tranquila. Era muito feliz morando ali, trabalhava com gosto.

Passamos um ano e meio indo ao campo quase todo dia. Até que chegou um grupo que ficava nos observando de uma forma estranha.

Ficaram dias assim, até que eles se aproximaram e perguntaram: 'Vocês são uma gangue?'. Respondemos que não e nos chamaram para entrar na deles. "De jeito nenhum", dissemos.

A partir daí, começaram os ataques. Em poucas semanas, houve um garoto que jogou um carro para atropelar um amigo. Outro tentou atirar uma telha na minha cabeça, e dois me ameaçaram na calçada de casa: "Se você não entrar agora, a gente vai te encher de porrada."

Depois disso, começaram a matar, cinco, seis. Mataram dois amigos meus, e até hoje as famílias não encontraram os corpos. Outro se juntou a eles para não morrer. Os caras apontavam para as casas e marcavam quem iam matar.

Um dia, eles passaram pela casa dos meus três primos. Dois estavam presos por causa de uma armação deles, mas o mais novo ainda morava lá. Nos procuraram por vários dias, e minha tia sempre dizia que não estávamos.

Na última, não acreditaram. Eles atiraram e a mataram na frente da minha mãe e da minha avó. Levaram o corpo dela para a montanha atrás do nosso bairro.

Antes de sair, disseram à minha mãe e à minha avó que, se não nos entregassem, elas teriam o mesmo destino. Minha avó morreu antes, de infarto. Hoje, meu primo está em San Salvador [capital do país], com meu irmão. Pagam US$ 20 por mês à gangue. Se atrasarem, morrem.

Já eu me mudei para Santa Ana [cidade a 199 km de San Miguel]. Trabalhava na parte administrativa de uma empresa. Fui indicado por alguns amigos. Quando uma pessoa tem bom comportamento, as portas se abrem.

Ainda por lá, um dia minha mãe me ligou e disse: "Olha, meu filho, estão te procurando". Respondi que queria voltar, que sentia saudade da família, mas ela retrucou: "Não. Me mostraram uma foto sua e do seu primo. Vão te matar". Então eu disse a ela: "Mamãe, o que eu vou fazer?"

Quando ia visitá-la, tinha que voltar no mesmo dia. Eles vieram me dizer que, se ficasse muito tempo, me matavam dia tal. Também me proibiram de visitar o meu pequeno, que agora mora em um orfanato. Não queriam me ver naquele lugar.

Pedi demissão e usei a rescisão para vir ao México. De madrugada, quando estava dentro do ônibus que peguei para a Guatemala, me sentia sozinho, me perguntava "o que estou fazendo aqui", mas, ao mesmo tempo, sentia que estava livre.

Na fronteira com o México, [os traficantes] me trapacearam: cobraram US$ 100 para cruzar o rio. Depois de conseguir ajuda, cheguei a Tapachula e à Casa do Imigrante.

Estou procurando emprego. Sei fazer de tudo. Vim para cá para crescer. A primeira coisa que vou fazer quando tiver dinheiro é trazer minha mãe e depois meu pequeno, mas só quando ele tiver seis anos [hoje ele tem dois].

Desde que saí de El Salvador, não falo com a minha mãe. Liguei para lá, e minha irmã disse para não telefonar para ela porque os da gangue podiam matá-la e me achar. Se algo acontecer à minha mãe, eu nunca me perdoaria.


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