Folha de S. Paulo


3 em cada 10 americanos têm armas; maioria diz que busca se proteger

Com cinco armas em casa -duas pistolas, uma espingarda, um fuzil e um rifle "estilo Velho Oeste"-, o servidor público que pede para ser identificado apenas como Steve, 57, afirma que felizmente nunca teve de usá-las para se proteger.

"Armas são como um seguro. Você não quer ter de usá-las, mas, se precisar, é bom que elas estejam ali", diz o morador de Montgomery, no Alabama, que pretende comprar "mais algumas" no futuro. "Eu não caço, mas quero ter um rifle de caça, por via das dúvidas. Vivemos num mundo assustador."

Steve está entre os 30% da população adulta americana que possui armas. Neste grupo, faz parte dos 29% que têm cinco ou mais armas e dos 67% que dizem tê-las para proteção, segundo uma pesquisa do Pew Research Center publicada em junho.

Depois do maior ataque a tiros da história dos EUA, na noite do último domingo (1º), em Las Vegas, onde morreram 59 pessoas e mais de 500 ficaram feridas, a parcela armada da população contesta o clamor imediato por mais rigor à venda de armas.

Neste grupo, apenas 29% dizem que leis mais restritas contribuiriam para reduzir o número de ataques em massa. A maioria (53%) diz que não faria diferença. Entre os que não possuem armas, 56% acreditam que mais limitações ao comércio de armas significariam menos mortes.

Número de mortos em ataques a tiros em massa - Por 100 milhões de habitantes

A divisão no país sobre o tema é ainda mais profunda no recorte partidário. Enquanto 76% dos americanos que se identificam como republicanos consideram mais importante proteger o direto ao porte de armas do que limitar o acesso a elas, do lado democrata apenas 22% concordam com isso.

A diferença (54 pontos percentuais) aumentou consideravelmente na última década. Em 2008, 47% dos republicanos e 30% dos democratas concordavam sobre uma maior necessidade de proteger os direitos a ter armas.

Hoje, o tema só perde em polarização para a proposta de Donald Trump de construção de um muro na fronteira com o México, estando à frente de assuntos como legalização do aborto, casamento gay e legalização da maconha.

Uma maior divisão foi vista depois de ataques como o da escola primária Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, que matou 26 (sendo 20 crianças) em 2012, e na boate gay Pulse, em Orlando, onde 49 morreram em 2016.

Após as duas chacinas, parlamentares democratas tentaram passar no Congresso projetos de lei com maior controle para a venda de armas, sem sucesso. Do outro lado, o lobby de armas reforçou a atuação no Congresso.

Segundo o Center for Responsive Politics, que monitora doações de campanha, só a NRA (Associação Nacional de Rifles, na sigla em inglês), gastou quase oito vezes mais nas eleições de 2016 -US$ 51,9 milhões para 86 candidatos- do que nas de 2010 -US$ 6,6 milhões para 93.

Editoria de Arte/Folhapress
A América armada - Dois terços dos americanos com armas as possuem para proteção
A América armada - Dois terços dos americanos com armas as possuem para proteção

CONVERGÊNCIA
Apesar da polarização, há pontos específicos na discussão em que a parcela da população armada mostra maior convergência com o grupo que não possui armas.

Uma delas é a necessidade de evitar que pessoas com problemas mentais comprem armas. Mesmo assim, Trump e o Congresso reverteram, em fevereiro, norma do governo Barack Obama que proibia cerca de 75 mil pessoas com doenças mentais de fazê-lo.

A criação de uma lei federal prevendo a checagem de antecedentes para vendas privadas e em feiras de armas também tem apoio de 87% dos que não têm armas e de 77% dos que possuem.

"Os grupos estão mais divididos em três outras propostas: criar uma base de dados federal para rastrear vendas de armas, proibição de armas semiautomáticas e fuzis e veto a carregadores de alta capacidade", observam os autores da pesquisa, feita com 3.930 adultos em todo o país, entre março e abril.

O que cada grupo apoia - Em %

As características do massacre em Las Vegas, no entanto, fizeram com que os dois grupos concordassem em mais um ponto: a necessidade de restringir dispositivos que tornam o desempenho de uma arma semiautomática semelhante à de uma automática -esta última, proibida nos EUA em 1986. O autor dos disparos no domingo usou o chamado "bump stock" em pelo menos 12 armas semiautomáticas.

Na quinta, a NRA disse apoiar "regulamentos adicionais" para os dispositivos.

Para Steve, é preciso eliminar as armas automáticas, "e isso inclui qualquer coisa que torne automática uma arma". "Não acredito que não precisamos delas como civis. Poder fazer um disparo por vez é mais do que suficiente."


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