Folha de S. Paulo


Como a última ditadura europeia virou um centro de produção tecnológica

Siarhei Hudzilin/The New York Times
O bar Kaljannaja No.1, que atrai público jovem, em Minsk, Belarus
O bar Kaljannaja No.1, que atrai público jovem, em Minsk, Belarus

Nas noites de sexta-feira a rua Zybitskaya –ou simplesmente Zyba, como os frequentadores a chamam– vira uma grande festa, cheia de hipsters de camisa colorida, jeans justos e escuros e óculos de aro preto, mostrando como sabem se divertir em um país descrito como a última ditadura da Europa.

Nos últimos anos, Zyba se converteu em uma ilha no meio de Minsk, a capital de Belarus –uma capital que ainda é, em sua maior parte, uma cidade estéril e totalmente fora de moda, com longas fileiras de edifícios severos de estilo soviético e pessoas que passam ao lado às pressas, dando a impressão de que morrem de medo de qualquer forma de contato. Mas na Zyba, uma multidão de jovens animados migra de um barzinho a outro, tomando Coca e uísque Jack Daniels e fumando sem parar.

Muitos dos que se divertem ali trabalham na crescente indústria tecnológica de Belarus –designers de softwares, jovens, descolados e progressistas, engenheiros tímidos e nerds e muitos outros que aspiram fazer parte do cenário. Hoje mais de 30 mil especialistas em tecnologia trabalham em Minsk, cidade de cerca de 2 milhões de habitantes. Muitos deles criam aplicativos para celulares que são usados por mais de 1 bilhão de pessoas em 193 países, segundo o governo local.

Um dos tecnólogos de Minsk é o artista Dmitry Kovalyov, 35, que dois anos atrás estava trabalhando com o MSQRD, uma ferramenta de smartphone com a qual as pessoas podem sobrepor várias máscaras a seu rosto em selfies.

Em 2016, Kovalyov não poderia imaginar que seu respeito pelo trabalho de Leonardo DiCaprio como ator e ativista ambiental pudesse ter alguma valia para a empresa. Mas, antes da entrega dos Oscar desse ano, Kovalyov e seus colegas desenvolveram uma ferramenta para uma máscara que faz as pessoas em mensagens de vídeo parecerem DiCaprio segurando duas estatuetas de Oscar.

Várias celebridades experimentaram a ferramenta, também quando estavam no tapete vermelho, e até mesmo a mãe de DiCaprio entrou na onda. Quando um jornalista lhe perguntou sobre o aplicativo, ela disse que seu filho já lhe mostrara como funcionava.

"Gosto do que Leonardo faz, de como ele atua e como procura preservar o planeta", falou Kovalyov recentemente a respeito do ator, que acabou recebendo o Oscar de melhor ator no ano passado. "Eu estava torcendo por ele."

Dez dias após a entrega dos Oscar, o Facebook comprou a empresa por um valor não revelado. Os fundadores, cuja média de idade era 25 anos na época, se mudaram para Londres e os EUA. Juntamente com alguns de seus colegas, Kovalyov agora está desenvolvendo uma nova start-up em Minsk, a AR Squad, que cria conteúdos de realidade aumentada.

Uma das primeiras máscaras que a outra empresa desenvolveu lembrava o presidente bielorrusso, Alexander G. Lukashenko, que governa o país há mais de duas décadas. Lukashenko costuma fazer gestos para ganhar publicidade, como colher batatas em sua fazenda ou levar seu filho adolescente, Nikolai, chamado comumente de Kolya, para acompanhar reuniões internacionais usando uniforme militar.

A máscara de Lukashenko tinha bigode farto e o cabelos penteados de lado para cobrir a calvície, duas características do presidente, mas não era considerada ofensiva. Pelo contrário: Lukashenko começou a acreditar que a indústria tecnológica poderia tornar-se uma varinha de condão que o ajudaria a acabar com a crônica dependência bielorrussa da Rússia.

"A criação de um Estado de tecnologia informatizada é nossa meta ambiciosa, mas alcançável", disse o presidente num encontro de parlamentares e burocratas este ano. "Com isso poderemos tornar Belarus ainda mais moderna e próspera, para que a população possa encarar o futuro com confiança."

Siarhei Hudzilin/The New York Times
Funcionários da companhia Wargaming, cujo
Funcionários da companhia Wargaming, cujo "World of Tanks" tem mais de 200 milhões de usuários registrados, no fim de um dia de trabalho em Minsk, Belarus

Lukashenko, que no passado chegou a descrever a internet como "um monte de lixo", começou a proferir palavras que soavam improváveis, vindas de um antigo administrador de uma fazenda coletiva –falando da necessidade de desenvolver a inteligência artificial, carros sem motorista e tecnologia de "blockchain", com a qual empresas e pessoas diversas podem conservar arquivos digitais compartilhados.

Seu governo vem tomando várias medidas para incentivar o desenvolvimento da indústria de tecnologia, como deixar de exigir visto de entrada para os cidadãos de 79 países, incluindo todos os países ocidentais, quando ingressam pelo aeroporto de Minsk. Lukashenko também quer eliminar as restrições às transferências monetárias internacionais, para incentivar o financiamento de startups.

Belarus produz talento tecnológico de alto nível, uma herança de seu passado soviético, disse Arkady M. Dobkin, que emigrou para os Estados Unidos na década de 1990 e criou uma empresa de software nesse país.

Hoje Dobkin é executivo-chefe da EPAM, que faz programação para as maiores empresas mundiais de tecnologia e é vista como uma das empresas públicas de tecnologia que mais cresce no mundo.

A EPAM tem sua sede em Newton, Pensilvânia, mas seu principal centro de desenvolvimento se localiza em Minsk, onde trabalham mais de 6.000 de seus especialistas em tecnologia.

"Acho que foi a ausência de petróleo que levou Belarus a tomar essa iniciativa", comentou Dobkin, 57. "Aqui as universidades produzem mais especialistas altamente qualificados do que o mercado interno consegue absorver."

Muitos bielorrussos dizem que a conversa do governo sobre desenvolver um centro tecnológico serve para desviar a atenção da população, em um país ainda fortemente dependente da Rússia para combustível a preços baixos e apoio político.

O economista e ex-funcionário governamental Sergei Chaly descreve Belarus como "um país que está morrendo e funciona com bitcoins".

Vladimir Lipkovich, blogueiro popular que ficou conhecido por ridicularizar burocratas bielorrussos, disse que a única razão por que o setor tecnológico conquistou alguma presença no país é que o governo "não tem como apreender os cérebros das pessoas".

Ele explicou, brincando: "Se quisessem capturar uma empresa de tecnologia, o que conseguiriam? Computadores?"


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