Folha de S. Paulo


Preparativos aumentaram letalidade de ataque em Las Vegas

David Becker/Getty Images/AFP
Ataque no festival de música country Route 91 Harvest, em Las Vegas.
Ataque no festival de música country Route 91 Harvest, em Las Vegas.

De seu quarto de hotel no 32º piso do hotel e cassino Mandalay Bay, em Las Vegas, Stephen Paddock pôde olhar para uma multidão de mais de 20 mil pessoas que acompanhavam as últimas canções de um festival de música country.

Ele abriu fogo na noite de domingo, matando pelo menos 59 pessoas e ferindo 527 outras em um dos massacres mais mortíferos da história dos Estados Unidos, disseram as autoridades.

Mas algo que pode ter parecido uma façanha difícil, disparar em uma área urbana e atingir uma multidão a cerca de 450 metros de distância –o equivalente a várias quadras de futebol– parece ter sido conseguido graças aos preparativos do atirador, que lhe possibilitaram cometer uma chacina de grandes proporções.

As autoridades policiais afirmam que a investigação está avançando rapidamente e que as informações divulgadas são preliminares e às vezes contraditórias. Mas disseram que Paddock quebrou duas janelas em sua suíte no hotel para criar posições de tiro.

Ele tinha pelo menos 23 armas de fogo no quarto, disseram as autoridades, incluindo fuzis projetados para serem disparados a essa distância. E a posição alta em que se encontrava aumentava a probabilidade de seus projéteis acertarem pessoas, mais do que se ele os tivesse disparado ao nível do chão.

Entre suas armas havia rifles de estilo AR-15, uma versão civil de um fuzil padrão usado há mais de meio século pelas forças armadas americanas.

TRIPÉS

A possibilidade de Paddock ter utilizado tripés, que dois agentes da polícia informaram que havia no quarto, indica que ele entendia como superar algumas das dificuldades de seu plano. Suportes especiais projetados para encaixar na parte inferior de um fuzil e ser colocados sobre tripés de câmaras permitem a um atirador disparar com mais precisão estando em pé.

Os atiradores militares de elite utilizam tripés em espaços urbanos, frequentemente posicionando-se a pequena distância de uma janela, de modo que nem eles nem suas armas sejam visíveis a partir da rua.

Somados ao ângulo descendente dos disparos de Paddock e à densidade de pessoas que assistiam ao concerto, esses preparativos tornaram os disparos mais letais do que teriam sido de outro modo. Também dificultaram a fuga ou reação das vítimas.

Vídeos feitos no local mostraram que quando os disparos começaram, as pessoas em frente ao palco se jogaram no chão, de barriga para baixo –com frequência uma primeira medida adequada para se proteger de tiros. No domingo, porém, essa decisão pode tê-las colocado em risco ainda maior.

A posição superior de Paddock o colocou em posição de vantagem, podendo passar por cima de objetos e obstáculos que normalmente protegem pessoas contra projéteis disparados por um atirador no chão. Por essa razão, também, os tiros imprecisos –comuns quando armas são disparadas rapidamente, e que normalmente passam por cima dos alvos ou atingem o chão antes de chegar a eles– ainda puderem alcançar áreas ocupadas por pessoas.

As gravações de áudio do massacre sugerem que pelo menos uma das armas de Paddock disparou automaticamente, descarregando saraivadas de balas com um único acionamento do gatilho.

As armas que disparam saraivadas são sujeitas a regulamentos federais nos Estados Unidos, sendo mais difíceis de obter que as armas semiautomáticas, para as quais as normas variam de Estado a Estado.

Não está claro se Paddock possuía armas automáticas ou se utilizou armas semiautomáticas modificadas. Em alguns vídeos da chacina, a sequência de disparos soa irregular, às vezes espasmódica.

Isso sugere a possibilidade de que uma arma semiautomática tenha sido modificada para disparar mais rapidamente. Essas modificações freiam o coice da arma para que ela possa disparar rapidamente.

O xerife Joseph Lombardo, do condado de Clark, em Nevada, disse que foram encontrados no quarto de hotel de Paddock 16 fuzis, de calibres 0.308 a 0.224, além de uma pistola. Um agente policial federal disse que entre os fuzis havia rifles similares aos AR-15. As autoridades não detalharam todas as armas nem informaram quais delas Paddock disparou.

Paddock comprou algumas armas no Arizona, segundo um vendedor de armas nesse Estado que falou com as autoridades.

Lombardo disse que vários quilos de um explosivo não inflamável usado para treino foram recuperados da residência de Paddock, em Mesquite, a uma hora de Las Vegas. No carro de Paddock estacionado em Las Vegas foi encontrado nitrato de amônia, mas o xerife não informou a quantidade.

A tarefa de determinar quais armas foram utilizadas caberá a investigadores que estão examinando as cenas do crime, incluindo o quarto de hotel, que ficou repleto de estojos de cartuchos gastos.

A duração das saraivadas, conforme as gravações, sugere que Paddock não se importava com as diretrizes militares relativas a disparos com armas automáticas. É difícil controlar disparos rápidos por tempo prolongado, porque provocam o superaquecimento de muitas armas, especialmente as mais leves.

O major Dave Eastburn, porta-voz do Pentágono, disse que as Forças Armadas não têm qualquer registro de que Paddock tenha servido em nenhuma dos braços das Forças Armadas.

A duração das saraivadas também indica que Paddock tinha pentes de balas com capacidade para dezenas de projéteis, permitindo que ele disparasse por mais tempo sem precisar recarregar.

Diferentemente de alguns Estados americanos, Nevada não tem leis que limitem a capacidade dos pentes de munição.

Os poucos detalhes adicionais disponíveis sobre como Paddock se preparou para cometer seu crime levantam mais dúvidas. Dois representantes da polícia disseram que ele usou um martelo para quebrar os vidros das janelas através das quais disparou, e Lombardo revelou que Paddock tinha mira telescópica para pelo menos algumas de suas armas, embora não esteja claro como isso pode ter sido utilizado.

Tradução de CLARA ALLAIN


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