Folha de S. Paulo


Episódios violentos como o ataque de Las Vegas são desafio para mães e pais

Drew Angerer - 02.out.2017/AFP
LAS VEGAS, NV - OCTOBER 2: Mourners attend a candlelight vigil at the corner of Sahara Avenue and Las Vegas Boulevard for the victims of Sunday night's mass shooting, October 2, 2017 in Las Vegas, Nevada. Late Sunday night, a lone gunman killed more than 50 people and injured more than 500 people after he opened fire on a large crowd at the Route 91 Harvest Festival, a three-day country music festival. The massacre is one of the deadliest mass shooting events in U.S. history.
Uma vigília foi organizada na noite de segunda-feira (2) na esquina das avenidas Sahara e Las Vegas

Nosso filho de 7 anos desceu a escada hoje cedo assim que o sol nasceu. Olhos sonolentos, cabelos desarrumados. "Cadê o Papai?", ele perguntou. Geralmente é seu pai quem acorda cedo para preparar o café da manhã.

"Ele precisou trabalhar", respondi, com a esperança de não ter que explicar mais que isso.

Seu pai, que trabalha com jornalismo, me cochichou bem cedo que tinha que ir ao trabalho. O sol ainda não se levantara, mas havia mais de 50 mortos em um novo massacre.

"Nunca vou deixar nossos filhos irem a um show", foi a primeira ideia tola que me veio à cabeça. Eu sabia que isso é risível. Sei que meus filhos de 7 e 10 anos irão a um show, sei que pensar que eles não vão não vai protegê-los contra o que pode acontecer.

E eu sabia que teria dificuldade, mais uma vez, em lhes explicar seu mundo.

"Por que Papai teve que sair para trabalhar tão cedo?", perguntou nosso filho de 10 anos, a caminho da escola. "Uma reunião, acho", balbuciei mais tarde, tentando decidir o que lhes dizer.

Não é apenas a chacina em massa de hoje.

É tentar explicar ao meu filho de 10 anos por que pessoas em Porto Rico estão morrendo sem ajuda. É explicar aos nossos filhos por que pessoas andam se ajoelhando durante o hino nacional. Explicar Charlottesville, Virginia. Supremacistas brancos. Desastres naturais e desastres provocados pelo homem. Decididamente provocados pelo homem.

Nossa manhã seguiu adiante, e as piadinhas dos meninos me pareceram mais divertidas hoje. Ou talvez fosse porque eu estava prestando mais atenção, porque sei que aqui, neste momento, nesta cozinha, é a parte bonita. Dois irmãos sendo os meninos maluquinhos que eles são. O mundo externo que fique lá fora por enquanto.

Farei o que recomendam todos os especialistas. Deixarei os canais de notícias de TV desligados. O jornal será escondido em um canto até mais tarde. Mas sei também que eles vão ouvir justamente o suficiente e vão fazer perguntas.

Como tantos pais, vou ter que pensar em alguma coisa a dizer a meus filhos. De novo.

Vejo meu garoto de 10 anos carregar sua mochila e seu trompete no estojo para se juntar a sua turminha de amigos nesse dia lindo de outono, todos tão cheios de esperança.

Seu irmão corre até um amigo para lhe dar um abraço que mais parece um golpe de luta livre. O guardinha que policia a travessia da rua diante da escola me cumprimenta e fala que hoje vai apreciar o fato de estar vivo. Eu também, Mr. Eddie.

Me demoro por um minuto do lado de fora, vendo os aluninhos do segundo ano entrando na escola, felizes, ouvindo suas risadas e seus gritos. Este é meu mantra: "Isto daqui é bom. O bem existe." Me lembro de respirar e me pergunto o que vou dizer.

Meu pensamento volta para um fim de tarde na praia dois verões atrás, quando os meninos estavam sujos de areia, com camisetas macias emoldurando seus rostinhos bronzeados.

Vi um caranguejo e o levantei da areia para mostrar a eles a parte de baixo do bichinho. "Uau, a mamãe é tão corajosa", falou um deles. Olhei para meu marido e dei risada. Não sou corajosa. Mas fiquei contente porque eles achavam que sim.

Não estou corajosa hoje. Ainda não.

Há dias demais em que, quando as notícias vão penetrando em meu cérebro, eu não me sinto muito corajosa.

Meu filho que hoje tem 10 anos notou quando a bandeira foi hasteada a meio mastro após a tragédia de Sandy Hook. Ele perguntou o porquê. Eu hesitei.

"Não sei", respondi, enquanto mentalmente rolava os olhos para mim mesma, chocada comigo. Ele era tão pequeno, tão frágil. Mas tinha consciência de alguma coisa. Ele sempre tem. Mas eu não conseguia explicar nem para mim mesma o que tinha acontecido. Como poderia explicar a ele?

E agora, de novo, não consigo explicar nada disto. Não consigo explicar, especialmente porque sei que nada vai mudar. Esse é o outro horror de hoje.

Então o que vou fazer depois de uma notícia como esta?

Vou acolher meus filhos depois do trabalho e da escola. Vou me sentar com eles para jantar, curtir uma brincadeira de adivinhação com rosas e espinhos. Vamos falar de nosso mundinho, refletir sobre o que há de bom nas vidas que nos tocam. Vou rir com as bobagens deles, me frustrar com a lição de casa deles, vou jogar um pouco de beisebol com eles antes do anoitecer...

E vou lembrar a eles que existem coisas boas no mundo e que nossa vida precisa ser feita deles, de mim, de nós. Ser pai ou mãe hoje é um trabalho que exige muito. Precisamos educar pessoas para o bem.

Tradução de CLARA ALLAIN


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