Folha de S. Paulo


Mulher mais poderosa do Japão, governadora de Tóquio cativa eleitores

Base sólida e golpes rápidos. Foi assim que a mulher mais poderosa do Japão, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, já atrapalhou duas vezes as manobras políticas do premiê Shinzo Abe e promete atrapalhar uma terceira.

Aos 65 anos de idade, com cabelos curtos, estatura mediana e figurino ocidental, Koike conquistou uma das capitais mais importantes do mundo por caminhos muito diferentes dos da média das mulheres japonesas.

Neta do fundador de uma companhia mercante em Seattle (EUA) e filha de um empresário com relações intensas com o Oriente Médio, foi desde cedo exposta a culturas estrangeiras.

Num país em que a vida pública e profissional feminina é desvalorizada pela cultura e dificultada pelas condições de trabalho, foi estimulada a garantir independência por seus méritos e não pela aparência, conta ela.

Aos 20 anos, deixou o Japão e mudou-se para o Egito, convencida pelo pai de que entender os árabes era fundamental numa economia totalmente dependente da importação de petróleo.

No Cairo, onde estudou árabe e sociologia, casou-se com um colega japonês, numa união que durou poucos meses e não deixou filhos nem traços. Sua vida sentimental é um "não assunto" no Japão: o mais perto que se chega de sua intimidade são fofocas sobre os apelidos de seu cachorro de estimação.

GÊNIO DA MÍDIA

Fluente em inglês e árabe, Koike encontrou seu espaço na televisão. Entrevistou líderes estrangeiros e virou assistente de âncoras famosos, até assumir sua própria bancada, em 1988, como a primeira apresentadora do "World Business Satellite".

Colegas e jornalistas a descrevem como "gênio da mídia": alguém com intuição o suficiente para fazer aparições teatrais sem que elas pareçam ter sido calculadas.

Desde que entrou para a política, em 1992, esteve perto de políticos poderosos, como os ex-primeiros-ministros Morihiro Hosokawa e Junichiro Koizumi, mas construiu carreira e estilo próprio.

Mais de uma vez abriu mão de posições seguras ou trocou de partido para avançar mais rápido, e maneja com habilidade frases e símbolos.

Quando disputou o governo de Tóquio, em 2016, Koike foi questionada sobre uma frase de Hillary Clinton, que chamava de "telhado de vidro" os obstáculos à ascensão feminina em várias áreas. "Não são telhados de vidro. São placas de ferro", rebateu.

Quando a Folha a entrevistou no Brasil, poucas semanas depois de sua vitória, ela recorreu a jogo de ideias semelhante ao falar sobre as obras que vão deixar Tóquio acessível para os Jogos Olímpicos de 2020: "Tirar as barreiras físicas é importante, mas o fundamental é derrubar as barreiras mentais."

SEM GRAVATA

Outro símbolo que gosta de ostentar é o "Cool Biz", campanha que incentiva os homens a trabalharem sem paletó e gravata no verão, para economizar ar-condicionado.

No governo de Tóquio, ela proibiu o uso dos adereços. "No começo ficaram assustados, mas hoje me agradecem", disse, apontando para seus auxiliares e dando um dos poucos sorrisos da cerca de uma hora de entrevista.

É descrita como uma chefe que até ouve opiniões —no governo de Tóquio, montou um conselho com 14 membros—, mas gosta de dar a palavra final. Descentraliza por um lado, ao delegar assuntos específicos, mas mantém o controle central: só ela tem a visão mais ampla do quadro.

O anúncio de seu novo partido em 25 de setembro foi descrito como um desses momentos em que Koike impôs sua vontade em um golpe rápido, mas não intempestivo.

A governadora convocou uma entrevista de surpresa,horas depois de Shinzo Abe ter antecipado eleições legislativas, e foi direto ao ponto: "Declaro que um novo partido será formado".

MAIS RAPIDEZ

Para analistas, o movimento foi uma reação ao que ela considerava lentidão excessiva na formação do partido, que não vinha conseguindo atrair membros de correntes diversas, como ela gostaria.

Deu resultado. Na mesma manhã do anúncio, o Kibo no To (Partido da Esperança, PE) já conquistara apoio de um ministro do gabinete de Abe, Mineyuki Fukuda.

Em uma semana, a agremiação atraiu dezenas de políticos (incluindo governistas do PLD), anunciou que lançará ao menos 50 candidatos e já aparecia com quase 15% das intenções de voto (contra 24% do PLD) em pesquisa feita no sábado (30) e no domingo (1º) pelo instituto Kyodo.

Mesmo sem ser candidata —ao menos até agora—, Koike é a favorita para ser primeira-ministra para 33% dos entrevistados, contra 45,9% que preferem Abe.

A liderança do novo partido deve transformar Koike em adversária política do premiê Abe, de quem ela já foi correligionária no PLD e com quem mantinha um relacionamento de cordialidade distante.

A TRAJETÓRIA DE KOIKE

  • Julho de 1952 - nasce em Hyogo
  • Setembro de 1971 - deixa a Universidade Kwansei para estudar no Egito
  • Outubro de 1976 - Gradua-se na Universidade do Cairo e se torna intérprete e tradutora de árabe
  • Abril de 1988 - torna-se a primeira âncora do programa de TV noticioso "World Business Satellite"
  • Julho de 1992 - lança sua carreira política ao se eleger para a Câmara Alta (equivalente ao Senado) pelo Partido Novo do Japão
  • Julho de 1993 - renuncia ao Senado e se elege para a Câmara Baixa (equivalente à Câmara dos Deputados); ocupa cargos de liderança no gabinete do primeiro-ministro Morihiro Hosokawa
  • Dezembro de 1994 - filia-se ao Partido da Nova Fronteira após a dissolução do Novo Partido. Muda-se para o Partido Liberal e, em seguida, para o Novo Conservador
  • Dezembro de 2002 - deixa o Novo Conservador pelo PLD
  • Setembro de 2003 - é nomeada ministra do Ambiente no gabinete do premiê Jonichiro Koizumi
  • Julho de 2007 - torna-se a primeira ministra mulher da Defesa, no gabinete de Shinzo Abe
  • Setembro de 2008 - concorre para a presidência do PLD, mas é derrotada
  • Julho de 2016 - contra os líderes de seu próprio partido, concorre a governadora de Tóquio e é eleita com 2,9 milhões de votos
  • Julho de 2017 - liderado por Koike, o partido Toquiotas Primeiro vence as eleições para a Assembleia de Tóquio
  • Setembro de 2017 - lança um partido nacional, o Kibo no To, ou Partido da Esperança

ENTENDA O PARTIDO

Foram três as linhas centrais anunciadas pela governadora de Tóquio, Yuriko Koike, no lançamento de seu Partido da Esperança: "Política limpa, reformismo conservador e liberdade de informação".

A plataforma inclui revisar a Constituição, dar transparência aos dados públicos, reduzir o número e os salários de legisladores e substituir a energia atômica.

No lançamento do PE, ela estabeleceu como prioridade recuperar a liderança econômica japonesa: "O mundo está avançando e a presença do Japão está se esvaindo. Quero que o povo japonês acredite que há esperança no futuro."

A governadora deve ser figura central no partido, definido como "centrista tolerante", mas há dúvida sobre seu papel concreto. Em tese, ela não pode concorrer a premiê, uma vez que renunciou ao no Congresso para concorrer a Tóquio.

No lançamento do PE, Koike disse que continuaria responsável pelo governo de Tóquio, mas que precisava ampliar sua atuação para o nível nacional com o objetivo de estender ao país as reformas que vem fazendo em nível metropolitano.

Para analistas, deixar o cargo para o qual foi eleita com a responsabilidade de liderar os preparativos para a Olimpíada de 2020 pode causar danos a sua imagem.

O nome do novo partido também está bastante identificado com Koike, que abriu no fim do ano passado a Academia da Esperança, escola de cursos e seminários sobre política (o primeiro deles teve 4.500 inscritos, 3.000 acima do esperado).

PERTO E LONGE

A plataforma política de Koike tem vários pontos em comum com a de seu principal rival em nível nacional, o primeiro-ministro Shinzo Abe. Ambos defendem reformas constitucionais, partilham a mesma visão de como lidar com o sequestro de japoneses pelo governo da Coreia do Norte e têm uma imagem identificada com o renascimento do militarismo no Japão.

Como Abe, a ex-ministra da Defesa costuma prestar homenagens no Santuário de Yasukuni, onde são reverenciados os participantes da Segunda Grande Guerra, incluindo militares considerados criminosos de guerra.

Apesar dos pontos em comuns, Koike elegeu o partido de Abe, o Partido Liberal Democrata, como o principal rival do PE.

Para analistas, a estratégia é capturar eleitores que apoiam a plataforma do primeiro-ministro, mas estão descontentes com os resultados de seu governo.

Rompendo um período de trégua em que Abe tratou de assuntos nacionais e Koike, dos metropolitanos, a governadora passou a criticar medidas econômicas do premiê, como o aumento de impostos sobre o consumo de 8% para 10% em outubro de 2019.


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