Folha de S. Paulo


Maior organização criminosa da Colômbia quer fazer delação

Raul Arboleda/AFP
Policial inspeciona cocaína apreendida no porto de Buenaventura, no oeste da Colômbia
Policial inspeciona cocaína apreendida no porto de Buenaventura, no oeste da Colômbia

Na última terça-feira (26), o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anunciou que o Exército havia capturado 28 membros do Clã do Golfo —organização criminosa que virou sua principal preocupação nos sete meses de mandato que lhe restam.

As prisões surgiram como uma resposta às críticas que ele vem recebendo desde que, três semanas atrás, tornou público que o governo havia acolhido o pedido de submissão à Justiça do mesmo Clã do Golfo.
O grupo quer se entregar para fazer uma espécie de delação premiada —dar informações sobre seus delitos em troca de reduções de pena. A rigor, a rendição em troca de benefícios não existe na lei colombiana, mas há antecedentes de capitulações coletivas, como a das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia, organização paramilitar).

O Clã do Golfo tenta ser tratado como ente político, a fim de ter os mesmos benefícios que as antigas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o Exército de Libertação Nacional (ELN), que abriram diálogo de paz direto com o governo.

"O assunto é polêmico, porque esse grupo criminoso não pode ser considerado um ator político, e portanto não pode reivindicar uma negociação como as que são reservadas a guerrilhas", explica à Folha o cientista político Eduardo Pizarro.

Por outro lado, complementa, "se o governo não fizer a paz com o Clã do Golfo, isso pode significar o fracasso da implementação dos outros acordos, uma vez que se trata de uma força grande, numerosa, com presença em vários departamentos, controle de importantes rotas do narcotráfico e contatos de compradores nos EUA e na Europa", explica o estudioso.

Para enfrentar o problema, Santos vem repetindo que não considera o Clã do Golfo um "ator político", e sim "um grupo de criminosos" —e que, portanto, não haverá acordo nem negociação; "é possível que se concedam benefícios, mas conforme a informação que for oferecida".

A oposição já interpreta essa aceitação do presidente como um ato de fraqueza e de falta de vontade de derrotar o grupo com as armas. As prisões foram uma forma de o governo tentar deixar claro que continua tratando a facção criminosa como tal.

JUSTIÇA

O procurador-geral do país, Néstor Humberto Martínez, disse que qualquer avanço só poderá ser feito caso o clã "interrompa imediatamente as atividades e entregue as informações sobre seu patrimônio e suas rotas de narcotráfico", algo que ainda não aconteceu.

"Não há lei como as de delação premiada do Brasil que se possa aplicar para organizações criminosas inteiras na Colômbia. Então, se não vai haver acordo de paz, a Justiça terá de encontrar outro caminho. Mas é essencial pacificar esse grupo rapidamente", explica Pizarro.

Autor do livro "Cambiar El Futuro" (mudar o futuro), Pizarro participou, em Havana, das negociações com as Farc ao lado da equipe do governo de Juan Manuel Santos e já trabalhou em outros acordos no passado.

Sua história pessoal está na raiz de seu interesse pelo assunto. Pizarro é filho de um militar e teve dois irmãos guerrilheiros assassinados.

Um deles foi Carlos Pizarro, conhecido comandante da guerrilha M-19, que, após a assinatura de um acordo de paz com o governo, tentou concorrer à Presidência em 1990, mas foi assassinado durante a campanha.

"Minha vida é marcada pela guerra, assim como a de tantos colombianos. E, é claro, assisto há quase 30 anos a acordos e negociações que nem sempre dão certo. Tento colaborar porque já é tempo de vivermos em paz."

ATOR POLÍTICO

Enquanto não obtém um acordo com o governo, que o considera uma organização criminosa, o Clã do Golfo vem tentando mostrar que é, sim, um ator político.

Logo depois do anúncio de Santos, o líder do grupo, Dairo Úsuga, o Otoniel —hoje o traficante de drogas mais procurado na Colômbia e nos EUA—, divulgou vídeo em que surge fardado e reforça o caráter político da facção.

Ainda disse que o nome do grupo não é Clã do Golfo, que é nome de cartel, mas Autodefesas Gaitanistas da Colômbia, mais político.

"Em parte, ele tem razão. A história do clã tem origem em alguns movimentos que podem ser considerados políticos. O grupo foi formado inicialmente com a desmobilização dos paramilitares, no governo de Álvaro Uribe (2002-2010)", diz o cientista político Pizarro. "Os líderes foram presos, mas os comandantes de baixo escalão e os soldados se juntaram a traficantes e a ex-membros das Farc e do ELN."

Hoje, porém, é impossível dizer que o clã tem bandeiras como as Farc, que fizeram questão de incluir no acordo de paz reivindicações históricas como a reforma agrária.

O Clã do Golfo hoje conta com cerca de 3.000 homens, atua basicamente na produção e tráfico de cocaína, extorsão e sequestros em vários departamentos, como Chocó, Nariño, Meta e Antioquia (cuja capital é Medellín).

A disputa por espaços e rotas provocou grandes deslocamentos de camponeses. Muitos, hoje, moram em bairros pobres das metrópoles, como a Comuna 13 de Medellín, visitada pela Folha.

"Viemos de Remedios. Lá, há tempos que o pessoal do Golfo está no comando. As coisas até são normais quando não surge um grupo adversário", diz Onofrio Coneo, 34.

As mulheres têm a mesma preocupação das deslocadas com quem a Folha já conversou em Bogotá ou Cartagena: o medo de que os bandidos recrutem seus filhos à força.

"Tenho três meninos, não dava para arriscar. Aqui, dá para tentar a vida de outra forma", conta Piedad Alvear, 27, que veio de Chocó.

QUEM É O CLÃ DO GOLFO - Saiba mais sobre as áreas de influência, negócios e armamento do cartel colombiano

Editoria de Arte/Folhapress
Mapa Clã do Golfo

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