Folha de S. Paulo


Mudanças demais levaram a Trump, diz colunista do 'New York Times'

As mudanças em ritmo cada vez mais rápido no mundo estão deixando pessoas à deriva, sem âncora —levando a fenômenos como a ascensão de líderes populistas como Donald Trump, nos Estados Unidos.

A opinião é de Thomas Friedman, colunista do "New York Times", que, apesar de tudo, vê razões para ser otimista nas próximas décadas. O autor do livro "Obrigado pelo Atraso" (Objetiva, R$ 69,90, 592 páginas) não tem perfil em redes sociais e afirma que o futuro são as comunidades reais. Ele falou à Folha por telefone, de seu escritório em Nova York.

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Folha - Muitos dizem que o futuro do trabalho é de empreendedorismo e de economia informal, do "bico". O senhor compartilha dessa visão?

Obrigado Pelo Atraso
Thomas L. Friedman
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Thomas Friedman - Eu realmente não sei e acho que ninguém sabe. Sempre fico surpreso quando as pessoas me falam que em 2050 47,3% dos empregos atuais não existirão. A isso eu digo: "Sério? 47,3%? Por que não 47,2% ou 47,4%?". Quem vai saber quais empregos existirão em 2050? Quem, há 20 anos, poderia ter previsto que hoje existiria o emprego de especialista em SEO [otimização de ferramentas de busca], sabe? O que sabemos com certeza: em primeiro lugar, que por causa dessa era de acelerações, os dias em que você podia fazer uma faculdade e viver desse conhecimento pelo resto da sua vida acabaram. A habilidade de aprender pela vida toda é a maior vantagem competitiva para qualquer trabalhador.

Em segundo lugar, como diz uma amiga especialista em educação, Heather McGowan, nunca pergunte a um jovem o que ele quer ser quando crescer, porque qualquer que seja a resposta, esse emprego não vai mais existir, a não ser que seja policial ou bombeiro. Pergunte como ele quer ser. Pergunte se ele terá um pensamento ágil, se está disposto a aprender pela vida toda.

Yasser Alzayyat - 18.nov.2015/AFP
Thomas Friedman durante um seminário no Kuwait
Thomas Friedman durante um seminário no Kuwait

Há uma parte da geração mais velha que não entende as novas tecnologias. O que eles deveriam fazer?
Sabe, eu tenho 64 anos e não uso o Twitter, nem tenho uma página no Facebook. Eu simplesmente não estou lá. Para mim, comunidade é face a face, eu não acredito em comunidades virtuais. Falo muito sobre tecnologia e globalização, mas eu não ponho isso em prática. Eu sei quem são meus amigos, não preciso de um 'joinha'. Gosto de entrevistar pessoas de verdade.

Ao mesmo tempo, acredito que haverá muitos empregos para pessoas conectarem corações, construindo comunidades. A velocidade das transformações realmente está se acelerando, jeitos de fazer as coisas estão sendo jogados fora com cada vez mais rapidez, então você tem que aprender por toda a sua vida.

O desafio que temos é que, no Brasil e nos EUA, por muitos anos nossa classe média foi composta de pessoas a quem era dito o que deveriam fazer. E, por Deus, como faziam bem. Elas construíram o Brasil e a América. Infelizmente, só fazer o que dizem para você fazer já não é suficiente.

O senhor diz que há uma distância entre as habilidades que as pessoas têm, as que aprenderam e as de que precisam. Como resolver isso?
O que as mais ricas e pujantes comunidades dos EUA estão fazendo é construir o que chamo de coalizões complexas adaptativas. A comunidade empresarial se envolve fortemente com o sistema de educação pública para traduzir em tempo real as habilidades que a economia demanda. Sem esperar que as escolas façam isso. Organizações da sociedade civil entram com estágios e oportunidades de aprendizado. O governo catalisa essas coalizões.

É uma das razões por que os EUA crescem hoje. Se você quer ser um otimista sobre os EUA, fique de cabeça para baixo. O país parece muito melhor olhando de baixo para cima do que de cima para baixo, especialmente com Trump.

Mas quando se fala de outros países, há obstáculos, como analfabetos e falta de infraestrutura. Como essas pessoas podem ter comunidades como as que descreve?
Não tenho uma resposta simples para isso, porque depende muito da comunidade, se ela é uma periferia em São Paulo ou uma comunidade no interior da Bahia. A beleza do mundo conectado é que você pode acessar coisas de qualquer lugar se tiver internet.

Eu acredito que os governos nacionais são muito lentos em relação a essas acelerações, não conseguem se adaptar com a velocidade necessária. E o indivíduo e a família são unidades muito fracas contra essas acelerações. A unidade de governo do século 21 é a comunidade saudável.

Por que é tão difícil debater questões muito complexas nas redes sociais?
As redes sociais são muito boas em fazer as pessoas ficarem moralmente ultrajadas. Há um ditado russo que diz: "É mais fácil transformar um aquário em sopa de peixe do que sopa de peixe num aquário". As redes sociais são muito boas em fazer sopa de peixe, em destruir as coisas, em mobilizar as pessoas para derrubar governos. Mas elas são bem ruins em fazer aquários, em construir.

Há duas entrevistas interessantes no livro, uma com Wael Ghonim, do Google, que foi um dos que começaram a revolução no Egito. E outra com Alex Chow, do movimento Occupy Central em Hong Kong. Sem se conhecer, eles dizem coisas quase idênticas: nunca poderíamos ter começado a revolução sem Facebook e Twitter, mas nunca poderíamos fazer nossa revolução ter sucesso com Facebook e Twitter. As redes sociais tornaram fácil destruir pessoas, espalhar rumores, fazer as pessoas ficarem revoltadas, e isso torna a ação coletiva em torno de uma agenda coerente quase impossível.

Indicadores sociais e econômicos apontam uma melhoria mundial na qualidade de vida. Por que, então, muitos são pessimistas?
O pessimismo vende, sabe? Na política, ele é uma forma de derrubar seu oponente. E em parte é ignorância. Muita gente não sabe o que está acontecendo. Muitos americanos ficaram chocados ao descobrir que a renda da classe média vem subindo.

Lá estava Trump falando em seu discurso de posse como se os EUA fossem um grande deserto de fábricas enferrujadas. Enquanto isso, nossa Bolsa está em níveis recordes. O Trump não fez isso, ele só apareceu, isso é resultado de muitos anos de política econômica. Deixar as pessoas bravas é o maior setor da economia nos EUA hoje. Eu queria que fosse possível exportar essa raiva. É um grande negócio. As pessoas que estão vendendo a raiva o fazem para mobilizar outras. É mais barato e mais fácil mobilizar pessoas em torno da raiva do que em torno de coisas positivas.

Foi isso que causou a vitória de Trump?
Em parte, mas não é a história toda. Trump foi causado por mudanças demais para pessoas demais de uma vez só. As pessoas vão à loja da esquina e a mulher do caixa não fala inglês. Vão ao banheiro e tem alguém de um gênero diferente do delas. Se você pensar nas coisas que ancoram as pessoas no mundo —casa, identidade, gênero, trabalho—, tudo foi desestabilizado de uma vez.

RAIO-X

Nascimento
Minneapolis (Estados Unidos), em 1953

Formação
Bacharel em estudos mediterrâneos pela Universidade Brandeis (EUA); mestrado em estudos modernos do Oriente Médio pela Universidade de Oxford (Reino Unido)

Carreira
Foi chefe da sucursal do jornal americano "New York Times" em Beirute, (no Líbano), e em Jerusalém (Israel) nos anos 1980. Depois, foi repórter do
jornal em Washington, antes de se tornar colunista especializado em assuntos internacionais. Venceu três vezes o prêmio Pulitzer por suas colunas. É autor de livros como "O Mundo É Plano", "Quente, Plano e Lotado" e "Obrigado pelo atraso"


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