Folha de S. Paulo


Após ajudar Sanders, marqueteiro cria 'Uber político' russo e desafia Putin

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O marqueteiro Vitali Shkliarov, 41
O marqueteiro Vitali Shkliarov, 41

Um bielorrusso nascido na União Soviética há 41 anos, jeitão de hipster, formado na Alemanha, com família no Rio, ganhador do Oscar do marketing político e assessor do democrata Bernie Sanders.

Com esse currículo heterodoxo e a introdução do "Uber político" nas campanhas eleitorais russas, Vitali Shkliarov esteve no centro da maior surpresa que o Kremlin de Vladimir Putin já recebeu das urnas: a derrota em simbólicos distritos centrais de Moscou no pleito municipal dia 10.

"O principal problema do sistema eleitoral russo é a dificuldade de acesso para candidatos que não sejam ligados ao Kremlin. Então, buscamos uma ferramenta tecnológica para isso, como o Uber facilitou a vida de quem quer ser motorista", contou Shkliarov, por telefone.

Se o interessado em se candidatar errar uma vírgula no sistema, é rejeitado. O time de Shkliarov, com cerca de 40 voluntários e funcionários do partido liberal Iabloko, bolou um site com cinco etapas de registro. O candidato já saía do processo com a ficha pronta, conta bancária registrada para arrecadação e "bots" operando para espalhar sua propaganda em redes sociais.

"Conseguimos inscrever mil candidatos para 1.502 vagas", diz. A seleção foi feita previamente, ao longo deste ano, pela frente Democratas Unidos, formada pelo tradicional partido liberal Iabloko e pelo grupo do ex-deputado Dmitri Gudkov, um jovem de 37 anos de uma família que já esteve no círculo do poder.

Apareceram 3.300 interessados, a maioria na casa dos 20, 30 anos. Eles eram entrevistados e tinham de concordar ao menos em sem ser contra Putin, a guerra na Ucrânia e a nostalgia comunista.

"Isso afastou o pessoal mais velho, que, quando é contra Putin, é a favor do comunismo. O que importa é mostrar que muitos podem querer ser contra o Kremlin dentro das regras."

O resultado foi surpreendente, até porque o governo municipal, aliado do Kremlin, atuou por um comparecimento baixo, furtando-se a divulgar o pleito. Só 15% dos eleitores compareceram às urnas.

A frente ganhou 266 assentos, mas foi sua vitória total em dois distritos centrais, inclusive naquele em que Putin vota, Gagarinski, que mais chamou atenção.

As eleições em si são as menos relevantes no país. A governista Rússia Unida levou 1.154 cadeiras. A importância é outra. Para Gudkov se candidatar a prefeito em 2018, como pretende, ele precisa ter representantes em todos os 110 conselhos da capital, um ente federal. "Só temos em 65, mas trabalhamos para obter apoios", afirma Shkliarov.

Isso dá a dimensão do desafio à frente. O fato de que o Kremlin agora conhece o truque dos opositores só complica as coisas. Há limites financeiros: o "crowdfunding" em Moscou rendeu 50 milhões de rublos (R$ 2,7 milhões), ou seja, míseros R$ 2.700 por candidato para toda a campanha.

Em nível federal, parece impossível que a frente consiga registrar o veterano Grigori Iavlinksi, do Iabloko, para disputar a Presidência em março que vem contra Putin.

Além disso, com quórum maior, a vitória do popular presidente (mais de 80% de aprovação) parece certa.

De todo modo, a prevalência de jovens em suas fileiras dá esperança ao movimento, que, diferentemente do blogueiro opositor e líder de protestos Alexei Navalni, defende a disputa dentro do jogo político. "Não se trata só de tirar Putin, sem mudar o sistema. É preciso educar os jovens", afirma Shkliarov.

SANDERS E OBAMA

A trajetória de Shkliarov é tão inusual quanto a vitória simbólica que seu trabalho ajudou a frente Democratas Unidos a conquistar.

Nascido na então República Socialista Soviética Bielorrussa (hoje Belarus) em 1976, ele se diz de "etnia russa". Após a queda do comunismo em 1991, ele foi para a Alemanha, onde obteve doutorado em ciências política e social na diminuta Universidade de Vechta (Baixa Saxônia).

Em 2007, trabalhou como voluntário para a agremiação A Esquerda. Em 2008, ele assistiu a uma visita do presidente Barack Obama à Alemanha e ficou impressionado com a figura.

Dois anos depois, mudou-se com a namorada americana Heather para os EUA, onde ele foi voluntário do Partido Democrata.

Em 2012, ele iniciou sua carreira como mobilizador, em Wisconsin, da campanha de Obama à reeleição. Também trabalhou para a campanha vencedora do senador Tammy Baldwin.

Por seu trabalho no monitoramento de eleitores por GPS, recebeu medalha de bronze do prêmio Pollie, o Oscar do marketing eleitoral americano.

Em 2014, voltou ocasionalmente para Moscou para ajudar candidatos anti-Putin. Foi assim que conheceu Dmitri Gudkov, que perdeu a eleição, mas ganhou o aliado.

Em 2015, de volta aos EUA, Shkliarov se aproximou de apoiadores do senador Bernie Sanders, que adotou um discurso libertário de esquerda para tentar disputar a Presidência em 2016.

Virou conselheiro do próprio Sanders. A campanha do senador, derrotado nas primárias por Hillary Clinton, era inflamada por uma audiência jovem e movimentação intensa na internet.

Shkliarov diz tentar trazer o espírito da coisa para a Rússia. Mas reconhece ter tido de se adaptar ao processo eleitoral nacional, com sua dificuldade de registro.

Ele deverá ficar em Moscou até a eleição de março, enquanto sua agora mulher e o filho Nikita permanecem no Rio. Ela trabalha no consulado americano na cidade.


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