Folha de S. Paulo


'Brexit' estimula o regresso de poloneses emigrados à terra natal

Quando a Polônia aderiu à União Europeia, em 2004, 13 anos após o fim da União Soviética, seus cidadãos inundaram nações europeias mais prósperas em uma maré branca e vermelha —as cores de sua bandeira.

Esse dilúvio atingiu em especial o Reino Unido, onde há quase 900 mil poloneses.

Eles chegaram a representar, para uma parcela específica da população, a grande ameaça à economia. O "encanador polonês" era um dos estereótipos da migração europeia sem qualificação.

Niklas Hallen - 2.jul.2016/AFP
Mulher ergue bandeiras da Polônia e da União Europeia em protesto contra o 'brexit' em Londres
Mulher ergue bandeiras da Polônia e da União Europeia em protesto contra o 'brexit' em Londres

Agora, essa comunidade tem planos de abandonar em massa o Reino Unido, que em junho de 2016 aprovou sua saída da União Europeia.

O governo polonês prevê o retorno de algo entre 100 mil e 200 mil cidadãos por causa do divórcio entre os britânicos e o resto do continente. A campanha do "brexit" foi em parte baseada em um sentimento xenófobo e na defesa de controles mais rígidos da migração.

Ewa Gladysz, 38, voltou na primeira semana de setembro a um povoado próximo a Wroclaw, no oeste. "Investi 12 anos da minha vida em um país que não me quer nem quer minha família", diz. "Ainda penso em inglês. Digo 'thank you' [obrigado] ao motorista do ônibus, e ele me olha como se eu fosse um alienígena."

A reportagem consultou uma transportadora especializada nas mudanças do Reino Unido à Polônia. A procura pelo serviço cresceu em 50% desde o "brexit".

"Quando conversamos sobre isso, os poloneses dizem que têm sido destratados", afirma um funcionário que não quer se identificar. "Muitos deles vieram para juntar dinheiro, mas os preços no Reino Unido estão altos."

A libra esterlina valia 1,4 euro antes do "brexit", mas hoje vale 1,1 euro. Imigrantes temem que a situação piore depois do rompimento —alguns analistas veem risco de crise econômica.

ILEGAIS?

Os estrangeiros radicados em solo britânico também se preocupam com a legalidade de seu status como residentes. Ainda não se sabe sob que condições os 3 milhões de europeus hoje estabelecidos lá poderão fixar moradia e trabalhar, e alguns preferem não esperar para descobrir.

Documentos oficiais do governo britânico vazados pelo jornal "The Guardian" indicam que haverá amplas restrições à migração de trabalhadores europeus, em especial à dos pouco qualificados.

As propostas incluem oferecer residência reduzida, de apenas dois anos, a imigrantes europeus de baixa qualificação. Aqueles com mais habilidades profissionais poderão ficar de três a cinco. Pode haver cotas de imigrantes, e alguns setores podem ser reservados a cidadãos britânicos.

O Reino Unido também planeja implantar um sistema migratório mais restritivo a europeus. Não será mais possível entrar no Reino Unido só com uma carteira de identidade europeia. O passaporte passará a ser obrigatório.

"Para muitas pessoas, o Reino Unido perdeu atratividade", diz a polonesa Barbara Drzsowicz, chefe do Centro de Recursos do Leste Europeu. Ela fala também de si mesma: decidiu deixar o país depois de nove anos.

"Há milhões de razões, mesmo o clima, mas o 'brexit' me ajudou a tomar a decisão. Eu e minha geração viemos ao Reino Unido porque era parte de um projeto europeu, com mobilidade entre os países, e eles estão abandonando isso", afirma.

"Para mim, foi uma perda de tempo vir para cá", diz Joanna Kalinowska, 60, que migrou há oito anos para juntar dinheiro e pagar um tratamento de saúde para o marido. Ela se empregou em uma fábrica de chocolates.

"Após o 'brexit', começaram a nos tratar mal, e está difícil encontrar um trabalho decente. Com a queda da libra, já não vale mais a pena", diz.

LESTE EUROPEU

Não são só os poloneses que estão deixando o país. Cerca de 339 mil pessoas saíram do Reino Unido em 2016, 40 mil a mais do que no ano anterior.

Paralelamente, menos cidadãos foram morar na ilha —588 mil no ano passado, 43 mil a menos do que em 2015.

A queda foi especialmente brusca entre os oriundos do Leste Europeu (que incluem os poloneses), analisados em conjunto nas estatísticas.

A diferença entre imigrantes e emigrantes desses países foi de apenas 5.000 pessoas, o valor mais baixo desde que eles entraram na União Europeia, em 2004.

O fenômeno não é explicado apenas pelo "brexit", porém. No caso polonês, é preciso levar em conta que o país cresceu e se modernizou desde sua adesão ao bloco. Varsóvia é hoje uma capital europeia vibrante, com as mesmas grandes franquias vistas em Paris, Londres, Roma ou Madri.

E, para muitos dos filhos que a casa tornam, o país natal oferece um bônus: a família. "Quero ver meus pais discutindo e envelhecendo", diz Gladysz.


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