Folha de S. Paulo


Chanceler alemã rejeita ser chamada de feminista

Joerg Carstensen/Associated Press
Angela Merkela, chanceler da Alemanha reeleita no último domingo (24) durante entrevista realizada em agosto
Angela Merkel, chanceler da Alemanha reeleita no último domingo (24) durante entrevista realizada em agosto

Todo o mundo parece ver alguma mensagem no fato de que uma mulher lidera a Alemanha, a maior economia na União Europeia e seu membro mais influente.

Menos a própria chanceler, Angela Merkel. Quando ela concorreu em 2005, ela se surpreendeu com as perguntas dos jornalistas sobre o significado de uma mulher ter esse cargo.

Em abril passado, quando lhe perguntaram se era feminista, disse que não. "Não quero me embelezar com um título que não tenho."

Há uma contradição nisso, diz à Folha Alice Schwarzer, uma das principais feministas alemãs. "Mas Merkel não é a única que vive essa contradição: uma vida super-emancipada graças às lutas feministas, mas com uma distância prudente em relação ao feminismo. Ninguém gosta que digamos abertamente sermos feministas."

Schwarzer diz por experiência própria. Ela foi criticada nas últimas décadas por sua militância –é fundadora da revista feminista "Emma", criada em 1977.

Parte do desinteresse de Merkel quanto ao feminismo é creditado a sua criação na Alemanha Oriental, território comunista. Isso influenciou sua maneira de perceber o gênero e suas limitações em um mundo político dominado pelos homens.

"Sem nenhuma dúvida, o fato de Merkel ter vivido na Alemanha Oriental –um país que, apesar de todas as contradições, tinha direitos iguais entre os sexos garantidos pela lei– teve um grande papel para definir seu caminho", afirma Schwarzer.

"Ela inicialmente não sofreu por ser mulher, e sua relação com os homens era relação entre camaradas. Isso mudou de maneira brutal com a queda do muro, quando ela entrou na política".

Ela carregou consigo a experiência e se deslocou de maneira tática dentro do mundo político masculino alemão, chegando por fim ao cargo mais alto de seu país.

Um símbolo potente dessa trajetória é o fato de que começou a carreira sendo chamada de "pequena garota" pelo ex-premiê Helmut Kohl, seu mentor politico, e transformou-se em "mãe", como a chanceler é hoje conhecida.

Com o quarto mandato, que garantiu neste domingo (24), ela deve chegar aos 16 anos de poder.

Mas, independente do quanto Merkel goste da palavra "feminista", e do quanto recuse utilizá-la, seu cargo de chanceler serviu de exemplo positivo às mulheres no país, segundo Schwarzer.

"Que uma mulher seja líder do país faz dela um modelo formidável. As garotinhas podem se perguntar agora: eu quero ser cabeleireira ou chanceler? Merkel também conduziu uma política familiar bastante emancipada, por exemplo, com licença-paternidade", diz.

A chanceler, porém, também deixou escapar gestos importantes para a causa, avalia Schwarzer. Essa feminista, que nos últimos anos tem criticado abertamente o islã político, esperava que Merkel se posicionasse sobre o tema com maior ênfase.

"Ela trata o islã radical, que separa os sexos e oprime as mulheres, como 'religião', enquanto essa é uma ideologia que precisamos combater", diz Schwarzer. "É uma ameaça profunda aos direitos das mulheres."


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