Folha de S. Paulo


Análise

Tragédias tornaram mexicanos mais solidários e diligentes

Xinhua
Voluntários retiram escombros de escola destruída em Coapa, no extremo sul da Cidade do México
Voluntários retiram escombros de escola destruída em Coapa, no extremo sul da Cidade do México

Em seu relato sobre o terremoto de 1985, que matou entre 6.000 e 30 mil pessoas (não há cifra precisa) e derrubou mais de 800 edifícios na Cidade do México, um dos mais importantes escritores mexicanos, Carlos Monsiváis (1938-2010) descreve o "surgimento da sociedade civil".

Monsiváis testemunhou o fenômeno ante o descrédito do impopular governo do então presidente Miguel de la Madrid, do PRI (Partido Revolucionário Institucional).

Frente a um Estado que demorou a reagir e que maquiou números de mortos e a dimensão da tragédia, Monsiváis conta como civis tomaram as ruas e abraçaram a responsabilidade de ajudar as vítimas e dar suporte a socorristas desorientados.

"Com rapidez, destreza e desprovida de preconceitos de classe, a sociedade criou albergues, reuniu alimentos e roupa, coletou dinheiro, armou redes para localizar pessoas, resgatou mortos e vivos dos escombros, demoliu ruínas que ainda representavam risco e deu contenção emocional e psicológica às vítimas", relata em "No Sin Nosotros "" Los Días del Terremoto" (inédito no Brasil).

Para o autor, os voluntários de 1985 concretizaram um conceito de sociedade civil "que até então era algo abstrato" no México.

Na semana passada, entrevistado pela Folha sobre o terremoto que no último dia 7 afetou o sul do país, o cientista político Jean François Prud´homme, coordenador geral do Colegio de México, ecoou Monsiváis. "O que vimos em 1985 foi a sociedade despertar e tomar as rédeas para sair da catástrofe, pois havia consciência coletiva de que o Estado era fraco."

Nesta quarta (20), procurado novamente, Prud´homme, na Cidade do México, disse à Folha que vê o mesmo filme.

"Em 1985, como agora, o que mais chama a atenção nas ruas da Cidade do México é a solidariedade. Ninguém parece ter medo. A diferença é que, há 30 anos, havia menos informação sobre como agir, e hoje há uma cultura de prevenção e reação a terremotos que faz com que os voluntários sejam mais eficientes, a experiência e os treinamentos ajudaram."

Os relatos dos jornalistas em campo e as imagens dos noticiários confirmam isso. Com a falta de luz e semáforos sem funcionar, veem-se cidadãos com megafones ou aos gritos orientando o trânsito, restaurantes abrindo as portas para oferecer água, comida e até tomadas para os que tentam carregar celulares para procurar parentes e amigos. Hospitais privados passaram a atender gratuitamente os feridos.

"É cedo para avaliar o desempenho de [Enrique] Peña Nieto, mas ao menos se vê sua presença nos lugares afetados, e órgãos estatais estão na rua", diz Prud´Homme. O México está a nove meses das eleições presidenciais, e o PRI de Peña Nieto não vem bem nas pesquisas.

Outra novidade desse terremoto em relação ao de 1985 é que a solidariedade humana conta agora com um novo recurso, a internet. Governo e organizações civis emitiram, por meio das redes sociais, regras gerais de precaução ou como se comportar em estar num local afetado.

Muitas já são conhecidas dos mexicanos, como "não correr", "sair dos edifícios calmamente", "permanecer longe de fios e torres elétricas", "abrir redes de wi-fi para que todos possam usar", "não utilizar telefones sem necessidade para não carregar demais as linhas", "não fazer barulho em zonas de escombros, para que eventuais gritos de socorro sejam ouvidos", entre tantas outras.

Editoria de Arte/Folhapress

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