Folha de S. Paulo


Estados Unidos enviarão US$ 32 mi em ajuda humanitária a rohingyas

Dar Yasin - 19.set.2017/AP
Rohingya Muslims, who crossed over from Myanmar into Bangladesh, wait during distribution of food items near Kutupalong refugee camp, Bangladesh, Tuesday, Sept. 19, 2017. With a mass exodus of Rohingya Muslims sparking accusations of ethnic cleansing from the United Nations and others, Myanmar leader Aung San Suu Kyi on Tuesday said her country does not fear international scrutiny and invited diplomats to see some areas for themselves. (AP Photo/Dar Yasin) ORG XMIT: DYX115
Rohingyas aguardam a distribuição de alimentos no campo de refugiados de Kutupalong, em Bangladesh

O Departamento de Estado dos EUA anunciou nesta quarta-feira (20) que irá doar 32 milhões de dólares para fornecer alimentos, tratamento médico, água, saneamento básico e abrigo aos mais de 421 mil rohingyas que fugiram para Bangladesh desde o fim de agosto.

Com a medida, os Estados Unidos endossam as críticas da comunidade internacional sobre o tratamento da minoria muçulmana em Mianmar.

Trata-se da primeira resposta oficial do governo Trump à crise humanitária na fronteira entre Bangladesh e Mianmar.

Em um discurso na ONU, o vice-presidente Mike Pence disse que o o presidente Donald Trump está chamando o Conselho de Segurança a adotar ações "fortes e rápidas" para por fim à crise dos rohingyas.

Pence reiterou que o Exército birmanês deve cessar a violência imediatamente e alertou que, caso as operações continuem, as região seria "consumida por sementes de ódio de caos, ameaçando a paz de todos nós".

O anúncio foi feito enquanto líderes mundiais se reúnem nesta semana na Assembleia Geral das Nações Unidas.

A líder de fato de Mianmar, Aung San Suu Kyi, recentemente cancelou sua participação na cúpula –uma decisão vista como uma tentativa de evitar as críticas internacionais que vem sofrendo desde o início da onda de violência contra os rohingyas.

Na terça-feira (19), Suu Kyi conversou ao telefone com o secretário de Estado, Rex Tillerson. Foi o primeiro contato desde que Tillerson assumiu o cargo, em fevereiro deste ano.

O governo americano afirmou que a quantia corresponde a aproximadamente um quarto do total necessário para contornar a crise, segundo estimativas de grupos de assistência humanitária.

A expectativa de Washington é que outros países do mundo contribuam com os três quartos restantes.

Segundo o presidente da organização Refugees Internacional, Eric Schwartz, o custo total da ajuda provavelmente chegará a centenas de milhões de dólares.

"Eu faço esse tipo de trabalho há 30 anos", disse Schwartz. "A situação que o Exército de Mianmar criou é a pior que eu já vi em termos de miséria humana", declarou.

Aproximadamente 421 mil rohingyas cruzaram a fronteira desde o final de agosto, segundo a ONU, fugindo de uma campanha de repressão do Exército birmanês em resposta a ataques de rebeldes da minoria muçulmana.

O fluxo de pessoas aumenta o temor de um desastre humanitário em Bangladesh, onde os acampamentos de refugiados já abrigavam cerca de 400 mil rohingyas. As condições de vida nos campos são precárias; a grande maioria se abriga em barracas e não tem acesso a saneamento básico nem à água potável.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, condenaram na última semana as operações das forças armadas do Mianmar e as classificaram como um exemplo de limpeza étnica.

A crise ameaça prejudicar o apoio americano à transição democrática do Mianmar, que passou os últimos 50 anos sob ditadura militar.

A realização de eleições e a formação de um governo civil no país é considerada uma das principais conquistas em política externa do ex-presidente Barack Obama, que era próximo à Suu Kyi.

Jim Watson - 14.set.2016/AFP
State Counsellor Aung San Suu Kyi of Burma (L) shakes hands with US President Barack Obama during a bilateral meeting at the White House in Washington, DC, September 14, 2016. / AFP PHOTO / JIM WATSON ORG XMIT: JIM002
Aung San Suu Kyi foi recebida pelo então presidente Barack Obama na Casa Branca em 2016

Ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 1991, Suu Kyi é uma peça chave na transição.

Líder da oposição ao regime militar, ela passou anos em prisão doméstica e se tornou um símbolo da luta pela democracia.

Sua chegada ao poder representou para muitos rohingyas a esperança de uma mudança no tratamento recebido pelo Estado.

Desde 1982 os rohingyas não são reconhecidos como cidadãos de Mianmar.

Como apátridas, eles não têm acesso a serviços básicos, como educação e saúde, e são proibidos de votar. Em Rakhine, Estado onde vive a maioria deles, a lei os proíbe de ter mais que dois filhos e os obriga a fazer trabalhos forçados.

Na terça-feira (20), ela rompeu o silêncio e minimizou os danos causados pelo Exército Birmanês.

Suu Kyi afirmou que o país receberia os rohingyas que desejassem retornar, desde que passassem um teste de "verificação" de suas identidades.

ONGs criticaram a medida, afirmando que a grande maioria dos rohingyas não possui documentos oficiais por não serem considerados cidadãos de Mianmar.

Simon Henshaw, um diplomata americano sênior responsável por assuntos de migração e refúgio, aplaudiu a iniciativa de Suu Kyi mas afirmou que a líder deveria garantir a segurança das regiões afetadas antes do retorno dos rohingyas.

A Constituição de Mianmar, que foi introduzida pela junta militar que governou o país, prevê que as forças armadas são um "quarto poder" e não se submetem ao Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Esse dispositivo é uma das razões pela quais Suu Kyi tem tido uma atuação limitada na crise dos rohingyas. A viabilidade de um governo civil depende de uma coexistência com os líderes militares, que ainda detêm certo poder.

No início do mês, a Turquia prometeu enviar alimentos e roupas para os campos de refugiados rohingyas em Bangladesh.


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