Folha de S. Paulo


Promotor diz ver ataque do regime de Maduro à população na Venezuela

Responsável por preparar o relatório sobre a Venezuela que a Organização de Estados Americanos apresentará ao Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo contou à Folha que as audiências em Washington com ex-militares, ex-integrantes do Judiciário e vítimas devem demonstrar que "há um plano sistemático do Estado de ataque à parte da população".

A ideia é que esse relatório seja apresentado pela OEA por meio de um ou mais Estados-membros em outubro.

Ronaldo Schemidt - 30.jul.2017/AFP
Manifestante preparar coquetel molotov para atirar contra forças de segurança em protesto em Caracas
Manifestante preparar coquetel molotov para atirar contra forças de segurança em protesto em Caracas

"Não estamos julgando, apenas preparando o informe para entregá-lo. A partir daí qualquer país que integra o tribunal pode fazer uma denúncia e abrir uma investigação. Significa que os Estados vão ter de tomar a iniciativa, mas basta que apenas um Estado o faça", explica o promotor argentino.

E acrescenta: "O ideal seria que a própria Venezuela, que também integra o órgão, reconhecesse os crimes, julgasse-os e que não houvesse mais violência."

Convencido de que "só com adolescentes na rua não vai ser possível parar [Nicolás] Maduro", Moreno Ocampo diz que a comissão busca entender a dinâmica da repressão de modo a enquadrar o que está ocorrendo no país como um crime de lesa-humanidade, ou seja, cometido pelas forças do Estado contra uma parte da população, de acordo com a definição do Estatuto de Roma.

Para isso, diz que é preciso buscar dois elementos: "primeiro, demonstrar que há um plano, que a repressão não é aleatória; segundo, averiguar se a Justiça está dando respostas aos delitos cometidos contra os cidadãos".

DEPOIMENTOS

Os depoimentos de três militares venezuelanos dissidentes, o general García Plaza, o coronel José Arocha e o capitão Igor Buitrago, na sexta (15), contribuíram nesse sentido.

"Quando o general nos diz que na Venezuela está se usando o conceito de que os dissidentes são inimigos, isso ajuda a classificar o uso da violência contra eles como uma ação sistemática."

Segundo Moreno Ocampo, os militares estão contribuindo também ao relatar como ocorrem as prisões, como são os interrogatórios e as condições de encarceramento.

"Nós ouvimos, por exemplo, que os prefeitos que não impedem manifestações em seus territórios são considerados 'em desacato'. Trata-se também de uma forma de rotular alguém como inimigo", diz o promotor.

O termo é o mesmo usado para invalidar as decisões da Assembleia Nacional.

O depoimento dos militares revelou também que está em prática desde o começo do ano o chamado Plano Zamora, que permite que o uso da força contra manifestantes seja mais violento.

Também que existe uma estrutura paralela à militar, chamada de Comando Anti-golpe, que, embora encabeçada pelo vice de Maduro, responde ao ditador.

Moreno Ocampo, que trabalhou como promotor no julgamento da junta militar argentina nos anos 80 e foi promotor-chefe do TPI entre 2003 e 2012, diz que, se o relatório da OEA de fato estimular o início de uma investigação pelo tribunal de Haia, isso será algo "histórico".

"Isso cria precedente que depois pode ser usado para delitos do Estado em outros países, como a Coreia do Norte", afirmou.

"Eu sou argentino, no meu país a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA ajudou a parar um massacre durante a ditadura militar (1976-1983). Se isso puder ajudar a Venezuela a encontrar seu caminho e que os crimes e a violência contra os cidadãos acabe, será uma vitória."


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