Folha de S. Paulo


Opinião

É hora de a centro-esquerda na Alemanha se reorganizar

A derrota eleitoral iminente do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD na sigla original) me faz lembrar a infame definição de loucura: fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes.

O SPD perdeu as três eleições anteriores posicionando-se no centro político superlotado do país. Com Martin Schulz como seu novo líder, está a caminho de perder mais uma vez.

John MacDougall - 17.set.2017/AFP
O líder social-democrata, Martin Schulz, aparece em cartaz à frente ao de Angela Merkel em Berlim
O líder social-democrata, Martin Schulz, aparece em cartaz à frente ao de Angela Merkel em Berlim

Quando Schulz foi à televisão para o debate pré-eleitoral com Angela Merkel, parecia estar falando com seu chefe. Ele foi respeitoso, ávido para encontrar áreas de acordo. As últimas pesquisas de opinião situam o SPD entre 20% e 23% dos votos.

É verdade que as pesquisas alemãs já erraram antes. Pode haver mudanças de última hora. O comparecimento pode ser desigual. Mas é seguro dizer que neste momento Schulz não está nem perto de onde deveria estar para conseguir um bom resultado no domingo.

O que está dando errado? O SPD costumava ser uma das grandes feras da política alemã. É o candidato? Não tenho certeza. Schulz é o melhor orador que o partido teve desde Gerhard Schröder. Ele pode ter subestimado o covil de serpentes da política nacional alemã, já que passou a maior parte de sua carreira em Bruxelas. Mas o declínio do SPD não é culpa de um único indivíduo. E não começou neste ano.

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O motivo profundo está relacionado ao fracasso coletivo dos social-democratas em tirar as conclusões certas dos dois eventos econômicos seminais de nossa época: a globalização e a crise financeira da zona do euro.

Os social-democratas falam muito sobre justiça social, mas não mudaram suas posições econômicas neoliberais desde os fabulosos anos 1990 e o início dos 2000. Eles apoiam sem reservas as regras fiscais da UE e acreditam que os governos devem ter orçamentos equilibrados na maior parte do tempo.

A mistura de conservadorismo econômico e liberalismo social funcionou para Schröder, que foi chanceler entre 1998 e 2005. Mas o declínio do SPD já estava a caminho. O sucesso de Schröder, assim como o de Tony Blair no Reino Unido, levou a atual geração de analistas políticos a concluir que a esquerda só pode vencer partindo do centro político.

A inferência enganosa se baseia no mais cru de todos os erros estatísticos, o de tentar extrapolar um número muito pequeno de observações em uma verdade universal válida para todos os tempos.

A inferência contrária também não é verdadeira. Mudar para a esquerda dura trouxe ao Partido Trabalhista do Reino Unido 40% dos votos em junho passado, mas eu duvido que isso funcionaria para o SPD.

Os Jeremy Corbyns da Alemanha não estão no SPD, mas no partido A Esquerda. Mesmo que uma mudança tática do SPD resultasse em um claro aumento de eleitores, ainda não seriam suficientes para que os três partidos de esquerda —SPD, Esquerda e Verdes— obtivessem uma maioria.

O SPD de fato precisa agora de um período de reflexão —fora do governo. Ele esteve em governos de coalizão em 15 dos últimos 19 anos. Seus líderes não tiveram a ocasião de pensar profundamente na globalização. Até agora a Alemanha se beneficiou da globalização e de sua posição única na zona do euro.

Mas a Alemanha poderá estar em breve entrando em uma fase diferente. Seus produtos conseguiram ocupar um nicho firme em segmentos de alta qualidade da economia global, mas os concorrentes estão se aproximando.

As fábricas de carros alemãs podem ter mais patentes que todas as outras, mas o velho cartel dos automóveis em breve será confrontado com novos concorrentes e tecnologias desconhecidas.

O impacto social negativo da globalização, que é claramente visível nos EUA, no Reino Unido e na França, mas ainda não na Alemanha, acabará chegando lá também. Um Partido Social Democrata inteligente deveria refletir sobre essa tendência e preparar-se.

Ele também deveria refletir sobre o futuro da Europa de uma maneira muito mais profunda. No debate na televisão entre Merkel e Schulz, não houve discussão sobre a futura arquitetura da UE e da zona do euro. O SPD evitou com afinco ser atraído para a questão dos eurobônus ou outras formas de ativos seguros conjuntos.

Eu conheço bem Schulz, e sei que não apenas acredita na UE, como também em uma zona do euro profundamente integrada. Ele não concorda com o intergovernamentalismo de Merkel.

Por que não foi à luta? Por que o SPD alemão está deixando Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, só no apelo que fez na semana passada por uma grande revisão do modo como a UE e a zona do euro funcionam? Por que esse não é um tema da eleição?

Sou o primeiro a admitir que isso poderá não ganhar a eleição para Schulz. Mas pelo menos ele teria caído defendendo algo válido. Meu conselho ao SPD é que pare de se concentrar em táticas míopes para ganhar esta eleição, mas comece a pensar seriamente em estratégias para vencer a próxima.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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