Folha de S. Paulo


Facebook navega em Internet fraturada por controles governamentais

Andrew Esiebo - 31.aug.2017/NYT
FILE -- Mark Zuckerberg, center, smiles as photos are taken as he stands amidst attendees at a meeting with software developers and entrepreneurs, in Lagos, Nigeria, Aug. 31, 2016. Facebook and other tech companies are increasingly forced to navigate a web that is not as open as it once was, with nation-states exerting their power over the internet. (Andrew Esiebo/The New York Times) ORG XMIT: XNYT67
Mark Zuckerberg, ao centro, em evento para desenvolvedores em Lagos, Nigéria

Tuan Pham acordou com a polícia invadindo sua casa em Hanói, Vietnã, certa manhã abafada do final do segundo trimestre.

Ele foi levado a uma delegacia de polícia, onde os policiais lhe fizeram uma exigência: queriam a senha dele no Facebook. O engenheiro de computação Tuan havia postado um poema, chamado "Canção de Ninar de Uma Mãe", na rede social, criticando a maneira pela qual o país comunista é governado.

Um dos versos dizia que "um século se passou e continuamos pobres e famintos; você pergunta por quê?"

A detenção de Tuan veio semanas depois que o Facebook fez uma grande oferenda de paz ao governo do Vietnã. Monika Bickert, a diretora mundial de administração de políticas públicas da empresa, se reuniu com um importante representante do governo vietnamita, em abril, e prometeu que a rede social removeria de suas páginas informações que violassem as leis do país.

Embora o Facebook afirme que suas políticas não mudaram no Vietnã, e embora a empresa tenha um processo estabelecido para que governos denunciem conteúdo ilegal, o governo vietnamita foi mais específico.

As autoridades afirmaram que a rede social havia concordado em ajudar a criar um novo canal de comunicações com o governo, a fim de priorizar os pedidos de Hanói e remover o que o governo vê como posts incorretos sobre os líderes nacionais.

Países populosos e em desenvolvimento como o Vietnã são os lugares nos quais o Facebook espera conquistar seu próximo bilhão de usuários –e reforçar ainda mais seus negócios publicitários.

A promessa da empresa ao Vietnã ajudou o gigante da mídia social a aplacar um governo que havia apelado às empresas locais que não anunciassem em sites estrangeiros como o do Facebook, e a companhia continua a ser um grande canal de marketing para as empresas vietnamitas.

O jogo diplomático que se desenrolou no Vietnã está se tornando cada vez mais comum para o Facebook.

A Internet está se fragmentando, e as grandes empresas de tecnologia do planeta precisam despachar enviados para combater os problemas que essa divisão representa para suas ambições.

A Internet desfruta há muito da reputação de ser um lugar onde vale tudo, e apenas alguns poucos países –especialmente a China– tentaram domá-la.

Mas nos últimos anos, eventos variados como a Primavera Árabe, a eleição presidencial francesa e a confusão na Indonésia sobre a religião do presidente do país despertaram os governos quanto à sua perda de controle em seus territórios sobre o discurso, o comércio e a política online.

Mesmo nos Estados Unidos as gigantes da tecnologia estão enfrentando escrutínio renovado da parte do governo.

O Facebook recentemente cooperou com investigadores da equipe do promotor público especial Robert Mueller, que está conduzindo um inquérito sobre a interferência russa na eleição presidencial norte-americana do ano passado.

Nas últimas semanas, políticos de direita e de esquerda também se pronunciaram contra o poder excessivo das grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos.

À medida que países tentam reconquistar o poder online, choques entre governos e empresas se tornam cada vez mais comuns.

Algumas das maiores companhias mundiais –Google, Apple, Facebook, Amazon e Alibaba, entre outras– estão descobrindo a necessidade de seguir um conjunto de regras completamente diferente daquele que vigorava na Internet anárquica do passado.

O Facebook encapsula os motivos para a fragmentação da Internet –e, cada vez mais, exemplifica as consequências desse processo.

A empresa ganhou alcance tão imenso que mais de dois bilhões de pessoas –cerca de um quarto da população do planeta– usam a rede social a cada mês.

Os internautas (excluídos os chineses) passam 20% do tempo que ficam online no universo do Facebook, de acordo com o grupo de pesquisa comScore.

E Mark Zuckerberg, o presidente-executivo do Facebook, quer que esse domínio cresça.

Mas os políticos estão contra-atacando.

A China, que bloqueou o Facebook em 2009, resistiu aos esforços de Zuckerberg para a retomada das atividades de sua empresa no país. Na Europa, as autoridades repudiaram as tentativas do Facebook para recolher dados de seus apps de mensagens e de sites externos.

O confronto entre o Vale do Silício e a Internet em processo de fratura deve se agravar.

O Facebook atinge praticamente todos os usuários com alguma forma de acesso à Internet, exceto os chineses. Capturar os últimos usuários que a empresa ainda não atinge, entre os quais os de países asiáticos, como o Vietnã, e africanos, como o Quênia, pode requerer que novos obstáculos criados por governos sejam removidos.

Adriane Ohanesian - 22.mar.2017/NYT
An internet cafe in Nairobi, Kenya, March 22, 2017. Facebook and other tech companies are increasingly forced to navigate a web that is not as open as it once was, with nation-states exerting their power over the internet. (Adriane Ohanesian/The New York Times) ORG XMIT: XNYT69
Internautas em um cybercafé na capital Nairóbi, no Quênia

"Compreendemos esse fato e aceitamos que nossos ideais não são compartilhados por todos", disse Elliot Schrage, vice-presidente de comunicação e política pública do Facebook. "Mas quando você observa os dados e ouve de fato as pessoas de todo o mundo que confiam em nosso serviço, fica claro que temos de fazer trabalho muito melhor para aproximar as pessoas, e não polarizá-las".

CHINA AMISTOSA

Pela metade de 2016, a campanha iniciada anos antes pelo Facebook para regressar à China - o maior mercado mundial de Internet - parecia estar se partindo.

Zuckerberg recebeu e foi recebido por políticos chineses, demonstrou publicamente seus conhecimentos do idioma chinês, que ele está estudando –em um momento que capturou a atenção da Internet–, e conversou com um potencial parceiro chinês sobre levar a rede social ao mercado do país, de acordo com uma pessoa informada sobre as negociações que não quer ter seu nome revelado porque as discussões foram confidenciais.

Em um jantar na Casa Branca em 2015, Zuckerberg chegou a perguntar ao presidente chinês Xi Jinping se ele não gostaria de sugerir um nome chinês para o primeiro filho do empresário –privilégio que, na cultura chinesa, costuma ser reservado a parentes mais velhos ou ocasionalmente a um adivinho.

Xi recusou o convite, de acordo com uma pessoa informada sobre o acontecido.

Mas todos esses esforços fracassaram, frustrando as tentativas do Facebook de penetrar em um dos bolsões mais isolados da Internet.

Em 2016, o Facebook deu alguns passos na direção de cumprir as normas de censura da China.

Yuyang Liu -12.jul.2017/NYT
 Visitors take selfie photos at a scenic spot in the Bund, a waterfront area in Shanghai, China, July 12, 2017. Facebook and other tech companies are increasingly forced to navigate a web that is not as open as it once was, with nation-states exerting their power over the internet. (Yuyang Liu/The New York Times) ORG XMIT: XNYT68
Turistas tiram fotos em um ponto turístico em Xangai, China

No terceiro trimestre daquele ano, o Facebook desenvolveu um sistema que permitia suprimir posts em determinadas áreas geográficas, reportou o "New York Times" no ano passado. A ideia era que isso ajudaria a companhia a entrar na China, ao permitir que o Facebook ou um parceiro local censurasse conteúdo de acordo com as demandas de Pequim. Mas o sistema não entrou em operação.

Em outro esforço, Zuckerberg participou de uma conferência em Pequim no ano passado, o que faz parte do ritual no estabelecimento de relações com o governo chinês.

Recorrendo à sua forma pessoal de diplomacia –uma atualização de status no Facebook–, ele postou uma foto que o mostrava correndo pela praça Tiananmen em um dia de smog perigoso. A foto o levou a ser ridicularizado no Twitter, e atraiu expressões de preocupação dos chineses quanto à saúde do empreendedor.

Mas apesar de todo o esforço, as coisas não parecem ter se acertado.

"Há interesse, dos dois lados da dança, em que alguma forma de produto possa ser introduzida", disse Kai-Fu Lee, antigo comandante do Google na China e hoje presidente de uma empresa de capital para empreendimentos em Pequim. "Mas o que o Facebook deseja é impossível, e aquilo que eles podem conseguir talvez não seja muito relevante".

Durante a visita de Xi aos Estados Unidos em 2015, Zuckerberg postou sobre a oportunidade de conversar em um idioma estrangeiro com um líder mundial. O post recebeu mais de meio de milhão de likes, o que incluiu likes de veículos da mídia estatal chinesa (apesar da proibição nacional ao uso do Facebook).

Mas na página de propaganda de Xi, Zuckerberg só foi mencionado uma vez –como parte de uma lista dos muitos executivos de tecnologia com os quais o presidente chinês se encontrou.

A REAÇÃO DA EUROPA EM DEFESA DA PRIVACIDADE

Na metade do ano passado, os membros da equipe mundial de políticas públicas do Facebook estavam concluindo planos, nos quais haviam trabalhado por mais de dois anos, para que o WhatsApp, aplicativo de mensagens adquirido pelo Facebook em 2014, passasse a compartilhar dados sobre seu bilhão de usuários com a nova controladora.

Um dos grandes problemas era como convencer as cautelosas autoridades regulatórias de todo o planeta quanto à legalidade da manobra.

A despeito de todo o planejamento, o Facebook sofreu um grande revés.

Um mês depois que o novo regime de compartilhamento de dados foi adotado, em agosto de 2016, as autoridades de defesa de privacidade da Alemanha ordenaram que o WhatsApp suspendesse o envio de dados sobre seus 36 milhões de usuários no país ao Facebook, afirmando que as pessoas não tinham suficiente controle sobre como esses dados seriam usados.

A agência britânica de proteção de dados logo seguiu o exemplo alemão.

Pelo final de outubro, todas as 28 autoridades nacionais de proteção de dados da União Europeia haviam apelado conjuntamente ao Facebook para que a prática fosse abolida. O Facebook discretamente cancelou seus planos na Europa. Mas continuou a recolher dados sobre usuários do WhatsApp em outros mercados, como o dos Estados Unidos.

"Existe conscientização crescente de que os dados das pessoas estão sob o controle de grandes agentes norte-americanos", disse Isabelle Falque-Pierrotin, da agência francesa de proteção de dados. "Esses agentes agora sabem que os tempos mudaram".

Como empresa de tecnologia cujos negócios publicitários requerem coleta de informações digitais, o Facebook muitas vezes subestima as emoções profundas que os cidadãos e autoridades europeus abrigam quanto à coleta desse tipo de detalhe. Isso remonta à era da guerra fria, quando muitos europeus estavam sujeitos a vigilância regular pela polícia secreta.

Agora, autoridades regulatórias da Colômbia ao Japão começam a imitar a posição europeia sobre a privacidade digital. "É natural que as autoridades regulatórias europeias estejam na vanguarda do processo", disse Brad Smith, presidente e principal executivo jurídico da Microsoft. "Isso reflete a importância que elas conferem à questão da privacidade".

O Facebook negou em entrevistas que tivesse usado indevidamente informações sobre usuários, e disse cumprir as regras nacionais onde quer que opere. A empresa questionou se a posição europeia era efetiva na proteção à privacidade individual em um momento no qual a região continua a perder terreno para a China e os Estados Unidos na área digital.

Mas a empresa afirmou respeitar a posição europeia sobre proteção de dados, especialmente na Alemanha, onde muitos cidadãos recordam bem como era viver sob vigilância do governo.

"Não há dúvida de que o governo alemão é uma voz forte na Comunidade Europeia", disse Richard Allen, vice-presidente de políticas públicas do Facebook na Europa. "Para nós, a abordagem direta que eles adotam se provou muito útil".

Potencialmente mais preocupante para o Facebook é a maneira pela qual a postura europeia com relação à privacidade está sendo exportada. Países cruciais para o crescimento do Facebook, do Brasil à Malásia, incorporaram muitas das severas regras europeias de proteção à privacidade em suas legislações.

"Consideramos as diretrizes europeias como a prática de referência", disse Pansy Tlakula, presidente da Agência Regulatória da Informação da África do Sul, encarregada da proteção de dados pessoais no país. A África do Sul chegou a copiar literalmente seções inteiras das regras europeias.

Adriane Ohanesian - 22.mar.2017/NYT
Phyl Cherop with plastic-wrapped items that she sells on Facebook, at her home in Nairobi, Kenya, March 22, 2017. Facebook and other tech companies are increasingly forced to navigate a web that is not as open as it once was, with nation-states exerting their power over the internet. (Adriane Ohanesian/The New York Times) ORG XMIT: XNYT70
Phyl Cherop e produtos embalados que ela vende online pelo Facebook em Nairóbi, Quênia

A JOGADA DO QUÊNIA

Bloqueado na China e cerceado pelas autoridades regulatórias da Europa, o Facebook está tentando se tornar "a Internet" na África.

Ajudando pessoas a obter acesso, subsidiando conexões e tentando lançar satélites que ofereçam acesso à Internet no mercado que a empresa cobiça, o Facebook se tornou a força dominante em um continente que está rapidamente entrando online.

Mas isso conferiu à companhia um poder que causa desconforto a alguns observadores africanos.

Alguns países bloquearam o acesso ao Facebook e observadores externos se queixaram de que a empresa ganharia o poder de bloquear as iniciativas de rivais. A concorrência entre o Facebook e outras empresas de Internet dos Estados Unidos e da China pelos mercados africanos gerou comparações com a era do colonialismo.

Para quenianos como Phyl Cherop, 33, empresária em Nairóbi, a vida online é dominada pela rede social. Ela fechou sua loja física em um bairro de classe média da cidade, em 2015, para vender via Facebook e WhatsApp.

"Desisti porque as pessoas não iam mais à loja", disse Cherop, que vende produtos como vestidos de grife e livros didáticos. Ela acrescentou que um site independente não teria o mesmo alcance. "Prefiro usar o Facebook porque é lá que estão meus clientes. A primeira coisa que uma pessoa quer fazer ao comprar um smartphone é abrir uma conta no Facebook".

O Facebook está correndo para ganhar vantagem na África sobre concorrentes como o Google e rivais chineses como o Tencent, em uma versão século 21 da "corrida pela África". O Google construiu redes de fibra óptica para acesso à Internet em Uganda e Gana. O Tencent lançou seu popular app de mensagens e comércio eletrônico, WeChat, na África do Sul.

O Facebook encontrou alguns obstáculos em sua campanha africana. O Chade bloqueou acesso ao Facebook e outros sites em eleições ou momentos de protesto político. Uganda abriu um processo contra a empresa na Irlanda, para forçá-la a identificar um blogueiro anônimo que critica o governo; a iniciativa fracassou.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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