Folha de S. Paulo


México vira rota para centro-americanos que seguem para os EUA

Adriano Vizoni/Folhapress
CIUDAD HIDALGO - CHIAPAS - MEXICO, 13-09-2016, 12h00: FRONTEIRA MEXICO GUATEMALA. Movimentacao nas balsas que atravessam o rio Suichate, em Ciudad Hidalgo, fronteira entre Mexico e Guatemala. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, MUNDO) ***EXCLUSIVO FSP***
Balsas atravessam o rio Suchiate, na fronteira entre México e Guatemala

Oito jovens com malas se protegiam do sol sob uma árvore em Ciudad Hidalgo, no México, ao lado da ponte para Tecún Umán, na Guatemala, na tarde de quarta (13). O silêncio veio quando a reportagem pediu uma entrevista. A negativa veio com os olhos arregalados e bocas fechadas.

Na sequência, todos correram ao mesmo tempo e entraram em uma van, aparentemente a comando de um dos homens que buscam passageiros no posto de fronteira para ir à vizinha Tapachula.

Ciudad Hidalgo é a principal porta de entrada dos imigrantes centro-americanos na América do Norte. Com o endurecimento das leis mexicanas, porém, a ponte virou um acesso secundário.

A maioria chega agora em balsas feitas de câmaras de pneus e pallets que aportam à beira do rio Suchiate a menos de um quilômetro dali, por onde passa o contrabando de mercadorias e pessoas.

A legislação mais dura, porém, não impediu que a imigração de cidadãos de Honduras, El Salvador e Guatemala —que sofrem com a violência das gangues— crescesse desde 2013.

Segundo a Comissão Mexicana de Ajuda a Refugiados, o número de pedidos de asilo dos nascidos nos três países centro-americanos passou de 887 quatro anos atrás para 8.051 no ano passado.

O aumento foi similar nos pedidos aceitos, que foram de 214 para 2.683. O número de cidadãos dos três países expulsos do México também cresceu: 141.990 no ano passado, segundo o Instituto Nacional de Migrações (INM).

Para Francesca Fontanini, diretora de comunicações do Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) na América Latina, o cerco crescente aos imigrantes nos EUA levou ao aumento das solicitações de permanência no México. "Pelas medidas de segurança das autoridades americanas, o preço cobrado pelos coiotes [traficantes de pessoas] começou a subir. e agora a maioria não tem condições de pagar para ir aos Estados Unidos."

Pelo mesmo motivo, diz Fontanini, subiram as deportações do lado mexicano e mudou a situação de um vizinho. "A Guatemala, que sempre foi um país de fuga e trânsito, passou a ser também um de permanência."

Apesar disso, a representante do Acnur afirma que não foram registradas diferenças no fluxo migratório desde a chegada de Donald Trump à Casa Branca, em janeiro deste ano.

Em 2017, os hondurenhos continuam a liderar os pedidos de asilo, mas El Salvador e Guatemala foram superados pela Venezuela.

Os venezuelanos, porém, têm quase 100% de probabilidade de conseguir asilo: dos 400 pedidos avaliados pela Comar entre 1º de janeiro de 2016 e 15 de agosto de 2017, só dois foram recusados.

No caso dos centro-americanos, o percentual de aprovação foi de 58% no período. Neste ano, as autoridades mexicanas também registraram crescimento das solicitações de haitianos e cubanos.

O CAMINHO

A primeira parte da viagem dos centro-americanos pelo México começa por Chiapas e Oaxaca, Estados mais afetados pelo terremoto de magnitude 8,1 que matou quase cem pessoas no dia 7.

Da fronteira, a maioria avança para o norte ou para a Cidade do México pelas estradas ou pendurados no trem de carga conhecido como "A Besta", que parte de Arriaga, a 288 km da fronteira. O caminho é cercado de blitze. Entre Tapachula e Juchitán, cidade mais afetada pelo terremoto, há seis postos do INM e oito bloqueios policiais.

Isso levou ao surgimento no México de práticas comuns do tráfico de pessoas do lado americano. Em agosto, o INM resgatou em Veracruz, no leste do país, 147 centro-americanos que viajavam em um caminhão-baú.

Nem sempre a reação dos mexicanos aos vizinhos é solidária, embora eles sejam os principais prejudicados com as restrições migratórias e o muro que Trump pretende construir na fronteira.

A Folha presenciou um taxista xingar dois centro-americanos na rodoviária de Tuxtla Gutiérrez, em Chiapas. "Vocês deveriam viajar até a fronteira para serem deportados de vez", disse. Por outro lado, moradores de Ixtepec, em Oaxaca, agradeceram o grupo de estrangeiros que desceu do trem para ajudar na recuperação das casas destruídas pelo terremoto.

Na Casa do Imigrante de Tapachula, hondurenhos, salvadorenhos e guatemaltecos disseram que o objetivo é conseguir o visto no México ou nos EUA e trabalhar.

Gilberto Uzmán, 35, fugiu de Sesuntepeque, El Salvador, após ser surrado por uma gangue por soltar fogos.

Os bandidos pediram US$ 1.500 (R$ 4.670) para preservar sua vida."O que mais me dói é que foi por uma coisa besta", disse. "Me disseram que eu deveria sair já, corri para casa, peguei uma calça, e pedi a um amigo que me levasse à rodoviária."

Para chegar ao México após ser ameaçado por bandidos, o guatemalteco Carlos Hernández, 29, andou 150 km a pé e atravessou o rio Suchiate a nado. "No meu país eu ia morrer de fome do mesmo jeito, então eu me arrisquei."

Já o hondurenho César Antonio Paza, 36, divertia os colegas com suas imitações de animais. É um veterano de travessia: tentava pela quarta vez chegar aos EUA, apesar de ser esquizofrênico. A primeira foi aos 15 anos.

Editoria de Arte/Folhapress
RUMO AO NORTE Região afetada pelo terremoto no México é rota de migrantes para os EUA

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