Folha de S. Paulo


análise

Tragédia no México atinge Estados pobres, que já sofrem pela heroína

Se alguma coisa faltava para completar a tragédia que vem solapando o sul do México, essa coisa era um terremoto como o que ocorreu na noite de quinta-feira (7).

A catástrofe atingiu os Estados mais pobres do país, que já sofrem historicamente por conta da pobreza e do abandono do governo federal, mas que vinham sendo ainda mais castigados nos últimos tempos por terem se transformado nos principais produtores de papoula, a matéria-prima para a produção da heroína destinada aos Estados Unidos.

O aumento da demanda no Norte trouxe mais disputa entre cartéis e grupos de "vigilantes" ""as "autodefensas""", e mais insegurança para uma população que já sofria com a falta de comida, de trabalho e de perspectivas.

Juntos, os três Estados mais pobres do país, Guerrero, Oaxaca e Chiapas ostentam a vergonhosa cifra de terem 70,2% de suas populações em estado de pobreza, segundo o Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social.

Os territórios montanhosos em que estes Estados se localizam dificultam a comunicação e o transporte com os grandes centros urbanos.

O sul do México sempre foi uma região muito rural. Mais de 50% da população de Oaxaca e Chiapas, por exemplo, vive em vilarejos de até 2.500 pessoas. Isso pode dificultar a contagem final do estrago causado pelo tremor.

HEROÍNA

Desde a última década, quando o mercado de heroína se expandiu ao Norte, o sul do México foi o primeiro a sofrer seus efeitos. Seu território extremamente fértil é ideal para o cultivo da papoula. Além disso, as más condições das estradas em meio às montanhas multiplicam as possibilidades de "esconder" plantações clandestinas dos olhos das autoridades.

Hoje, o México provê mais de 90% da heroína consumida nos EUA.

O cultivo e o transporte da droga fizeram com que os cartéis locais enriquecessem e entrassem numa luta sangrenta por território.

Nos Estados de Guerrero, Oaxaca e Chiapas, o narcotráfico também passou a financiar campanhas políticas, o que colocou no bolso dos criminosos as autoridades regionais.

O exemplo mais dramático dessa combinação de fatores foi a desaparição de 43 estudantes em Ayotzinapa, em 26 de setembro de 2014. A tragédia completa três anos neste mês, sem que se saiba o que ocorreu e após as explicações oficiais terem sido desmentidas por peritos.

As poucas evidências levam a crer que os rapazes desapareceram a mando de autoridades locais associadas com um cartel vinculado ao tráfico de heroína.

Com seus vilarejos disputados por narcotraficantes, que além do comércio ilícito praticam a extorsão, o sequestro e o estupro das mulheres, seus habitantes decidiram tomar armas. Surgiram grupos de "vigilantes" de distintos graus. Há desde os mais amadores, que reúnem donos de comércio ou ranchos com suas espingardas particulares, até as "polícias comunitárias", patrocinadas por donos de terras e empresários. Estes estão tão armados quanto os cartéis e, às vezes, mais que o próprio Exército.

É cedo para mensurar os efeitos econômicos, políticos e sociais que o terremoto causará. A única certeza é a de que a região Sul do país ficará ainda mais vulnerável. E que, se o Estado não agir rapidamente na reconstrução da infraestrutura, no investimento para a recuperação econômica e na criação de oportunidades para o desenvolvimento, as consequências podem ser nefastas.

Há que se lembrar que 2018 é ano eleitoral, e que o tremor, a partir de agora, já se instalou como um dos assuntos incontornáveis da próxima campanha.


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