Folha de S. Paulo


Autoritarismo na Polônia desafia regra da União Europeia

Wojtek Radwanski - 21.jul.2017/AFP
Os manifestantes mantêm velas e gritam slogans enquanto participam de uma manifestação em frente ao Parlamento polonês enquanto os senadores poloneses decidem sobre o novo projeto de lei que altera o sistema judiciário, em Varsóvia, em 21 de julho de 2017. Os legisladores poloneses adotaram uma polêmica reforma do Supremo Tribunal apesar da ameaça de sanções da UE sem precedentes. A câmara baixa do parlamento, controlada pelo partido conservador do direito e da justiça (PiS), votou 235 a 192 - com 23 abstenções - a favor do poder do governo para selecionar candidatos para o tribunal.
Manifestantes em frente ao Parlamento polonês, em Varsóvia, protestam contra reforma do Judiciário

A União Europeia estuda a sua opção nuclear. Não contra a Coreia do Norte, mas contra um de seus próprios países-membros: a Polônia.

"Opção nuclear" é o apelido do Artigo 7 do Tratado da União Europeia. Chama-se assim porque, além de nunca ter sido ativado, seu efeito é devastador: impõe sanções e retira os poderes de voto de um Estado que for punido.

É algo que a Comissão Europeia, o poder Executivo do bloco, ameaça fazer para conter o crescente autoritarismo da Polônia, um país que foi o garoto-propaganda da integração regional, depois de deixar o comunismo da União Soviética, e agora serve como um exemplo ruim.

Essa possibilidade ganhou força nas últimas semanas com os duros discursos do presidente francês, Emmanuel Macron, e da chanceler alemã, Angela Merkel.

"A Europa foi construída em cima de liberdades públicas que a Polônia está violando", disse Macron. "Eles estão se colocando nas margens da história europeia."

A situação surpreende cientistas sociais, que vinham insistindo na relação entre crise econômica e populismo. Mas a Polônia tem 5,5% de desemprego e o PIB (Produto Interno Bruto) deve subir 3,5% neste ano.

NACIONALISMO

A disputa atual começou com a vitória do PiS (Partido Lei e Justiça) nas legislativas de 2015, com 235 dos 460 assentos da Câmara Baixa.

A sigla conservadora de direita, com raízes católicas, baseou sua plataforma em um discurso nacionalista contra a União Europeia.

"O governo anterior era bastante elogiado na Europa, mas não necessariamente ajudou as pessoas na Polônia", diz o cientista político Aleks Szczerbiak, da britânica Universidade de Sussex.

"Há um grupo de poloneses que sentem que, apesar do crescimento, os benefícios foram divididos de maneira bastante desigual. Reconhecem que o país melhorou, mas não sentem", afirma.

O PiS adotou programas sociais, por exemplo, entregando 500 szlotys (R$ 440) a cada filho após o primeiro.

Com a popularidade garantida, o governo propôs uma série de legislações controversas. O controle da mídia, por exemplo, se apertou.

A Polônia se recusou também a receber sua cota de migrantes no plano de redistribuição de refugiados aprovado pelo governo anterior. A Comissão Europeia estuda aplicar uma multa.

Os alarmes soaram de vez com as propostas recentes de reformar o Judiciário, que incluem exonerar juízes, nomear substitutos e estabelecer limites à sua atuação.

Parte delas foram vetadas em julho pelo presidente, ligado ao PiS, após protestos em mais de 280 cidades. Mas devem voltar a ser apresentadas nos próximos meses.

A União Europeia reagiu dizendo que tais reformas ameaçam o Estado de direito. A Comissão chegou a dar um ultimato em 26 de julho, exigindo uma resposta em até um mês. Expirado o prazo, Varsóvia afirmou não ver problemas com as leis.

Como a Hungria, outro rebelde europeu, a Polônia diz que o bloco não pode interferir em questões domésticas.

O governo reforça o discurso de que combate uma burocracia europeia intervencionista —apesar dos protestos, sondagens mostram que o PiS venceria as próximas eleições. "Os setores liberais estão chocados em ver como, depois de 25 anos, um governo conservador foi eleito", diz Igor Janke, líder do "think tank" conservador Instytut Wolnosci.

Janke concorda com a crítica de que "algumas das reformas são muito ruins", mas discorda da conclusão da União Europeia. "Não há uma ameaça à democracia."

OMBUDSMAN

O atrito entre o governo polonês e a União Europeia está relacionado a como o bloco econômico foi apresentado pelo PiS, segundo Adam Bodnar, "como uma força externa se impondo".

Bodnar é o ombudsman oficial polonês —nomeado pelo Parlamento, chefia 300 funcionários públicos para pressionar o governo a respeitar os direitos humanos.

Nacionalista, o governista PiS baseia seu discurso na memória dos heróis poloneses e de conflitos históricos. Esse uso da história é uma das chaves do sucesso do governo atual, diz Bodnar.

"O país foi modernizado, mas faltava algo. E esse algo foi encontrado pelo PiS: "o nacionalismo, a busca por laços patrióticos, diz. "Os governos anteriores não souberam fazer isso."

Bodnar foi o único membro do governo que aceitou conversar com a reportagem da Folha —e também o seu personagem mais crítico. Mas seu mandato pode ser abreviado, ele confessa.

"A qualquer dia podem me demitir. Há garantias, mas podem ser violadas."


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