Folha de S. Paulo


Inventor diz que jornalista morreu ao bater a cabeça em submarino

O inventor dinamarquês Peter Madsen afirma que não matou a jornalista independente sueca Kim Wall. Ele diz que não esquartejou seu corpo e não sabe por que seu tórax, sem a cabeça e os membros, apareceu na praia no mês passado.

Falando a um tribunal de Copenhague na terça-feira (5), o homem de 46 anos que é acusado de matá-la admitiu que Wall morreu quando fazia uma reportagem a bordo de seu submarino.

Foi um acidente, disse ele, que começou quando ele se desequilibrou ao tentar abrir a portinhola do submarino. Quando Wall subia pela torre do barco, afirmou Madsen, ela foi atingida fatalmente na cabeça pela escotilha de 75 quilos, segundo relatou a agência Associated Press.

"Ficou uma poça de sangue no lugar onde ela caiu", disse Madsen ao tribunal, segundo a agência de notícias Reuters. Então ele entrou em pânico e jogou o corpo para fora do navio, segundo afirmou.

Bax Lindhardt/AFP
Peter Madsen (R), builder and captain of the private submarine
Peter Madsen conversa com policial no dia 11 de agosto, após operação de resgate do submarino

A audiência foi a primeira aparição pública de Madsen em tribunal desde que ele foi detido em 12 de agosto, por causa da morte da jornalista sueca de 30 anos. Ele foi inicialmente acusado de homicídio involuntário, mas na terça-feira um juiz mudou a acusação para assassinato doloso, disse a "The Washington Post" o promotor especial da polícia de Copenhague, Jakob Buch-Jepsen.

Ele contou que o juiz não ficou convencido pela explicação de Madsen no tribunal, diante das evidências da promotoria.

"Havia duas pessoas no barco. As pernas, a cabeça e os braços dela foram cortados, podemos provar isso", disse Buch-Jepsen. "Vocês podem tirar suas próprias conclusões."

Segundo o promotor, porém, a investigação está no começo e as causas da morte de Wall ainda são desconhecidas.

Kim Wall desapareceu da costa de Copenhague depois de embarcar em uma viagem em 10 de agosto a bordo do submarino de Madsen, para fazer uma reportagem. No dia 11, quando ela foi dada como desaparecida, Madsen foi retirado da água depois de, segundo a polícia, afundar deliberadamente seu submarino.

Os restos de Wall foram encontrados na praia quase duas semanas depois, disse a polícia. Após recuperar o submarino naufragado, as autoridades compararam o sangue encontrado nele com o DNA do tórax de Wall e de suas escovas de dentes e de cabelos, afirmou a polícia em uma entrevista coletiva.

Tom Wall
Kim Wall está desaparecida desde embarcar no submarino do inventor dinamarquês
Kim Wall estava desaparecida desde embarcar no submarino do inventor dinamarquês

Seu desaparecimento e subsequente morte chamaram a atenção do mundo e salientaram os riscos que enfrentam muitas jornalistas mulheres e independentes. Wall relatou histórias em profundidade em todo o mundo, de locais tão diversos quanto o Sri Lanka no pós-guerra e a Coreia do Norte. Durante sua breve carreira, ela foi descrita pelos amigos e sua família como corajosa, intrépida.

O caso é uma das investigações criminais mais divulgadas na imprensa da Dinamarca nos últimos tempos, segundo Buch-Jepsen.

Quando Wall bateu a cabeça na escotilha, sofreu uma fratura no crânio, disse Madsen em um depoimento anterior lido pelo promotor na audiência de terça-feira, relatou a Reuters. Ele não quis responder a várias perguntas da promotoria, incluindo por que Wall estava sem roupas.

Madsen disse ao tribunal que os sapatos e as calças dela saíram quando ele puxou o cadáver pela torre do submarino com uma corda depois do acidente, segundo relataram a AP e canais de notícias locais.

Perguntado por que ele atirou o corpo para fora do barco, Madsen disse aos promotores que entrou em pânico e queria se suicidar, e pensou que o melhor seria dar a Wall um funeral no mar, narrou Buch-Jepsen.

"No choque em que eu me encontrava, parecia a coisa certa a fazer", disse Madsen ao tribunal, segundo a agência de notícias France Presse.

Ele disse que pensou em tirar a própria vida, mas mudou de ideia porque queria rever sua mulher e seus três gatos, relatou a Reuters.

Então Madsen afundou o submarino UC3 Nautilus abrindo suas válvulas e deixando a água entrar, segundo uma declaração lida no tribunal, relatou "The Local".

Ritzau Foto
Wall ao lado de Peter Madsen, após embarcar no Nautilus no dia 10 de agosto
Wall ao lado de Peter Madsen, após embarcar no Nautilus no dia 10 de agosto

Na audiência, os promotores pressionaram Madsen sobre seus relacionamentos com mulheres. Embora ele esteja casado desde 2010, disse que ele e sua mulher têm um relacionamento aberto, segundo o promotor.

Madsen também confirmou que já havia levado convidadas ao submarino e que fez sexo com pelo menos uma delas, disse o promotor. Madsen disse que não fez sexo com Wall.

Quando o promotor lhe perguntou se já havia participado de sadomasoquismo, ele admitiu que sim, segundo Buch-Jepsen. E também que participou de várias festas de sexo "kinky" e se interessa pela "diversidade do erotismo", conforme canais de notícias suecos. No entanto, ele afirmou que sempre trata as mulheres com gentileza e respeito, e jamais machucaria alguém de verdade, disse o promotor.

A advogada de defesa de Madsen, Betina Hald Enmark, disse ao jornal sueco "Aftonbladet" que seu cliente "não é como as outras pessoas". Embora ele tenha "preferências sexuais diferentes", isso não o torna um assassino, afirmou ela.

Segundo repórteres presentes na audiência, Madsen vestia roupas militares e demonstrava uma expressão estoica.

O tribunal ordenou que Madsen fique preso por mais quatro semanas e passe por uma avaliação psiquiátrica. Se condenado, ele poderá enfrentar penas de cinco anos a prisão perpétua. Sua próxima audiência será em 3 de outubro.

"Agora que ele continuará preso, poderemos aprofundar a investigação", disse o promotor. Centenas de pessoas ligaram para a polícia nas últimas semanas dizendo ter informações relevantes sobre o caso. As autoridades ainda vão entrevistar diversas testemunhas e buscar mais evidências, disse Buch-Jepsen.

A polícia continua procurando o restante do corpo de Wall, que poderá dar pistas sobre a causa de sua morte.

Dias após o desaparecimento da jornalista, seus amigos e parentes estavam em choque. Comparados com outros locais onde Wall fez reportagens, a costa da Dinamarca parecia relativamente segura. Ela estava a menos de 50 km de sua casa na Suécia e em um país que se classifica entre os mais seguros do mundo.

"Ela confiou em alguém, e foi isso o que aconteceu", disse a "The Washington Post" o repórter Christopher Harress, que trabalha no Alabama e é amigo de Wall.

Wall vinha escrevendo uma reportagem sobre Madsen, um construtor de foguetes amador e um conhecido personagem fanático na Dinamarca. Seu submarino foi descrito em seu site na web como "um dos maiores submarinos do mundo feitos em casa".

Madsen inicialmente disse às autoridades que desembarcou Wall em segurança em Copenhague depois de um dia inteiro de reportagem. Mas depois ele alterou a história, confessando que a "enterrou" no mar depois que ela morreu em um "acidente" a bordo, disse a polícia.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


Endereço da página:

Links no texto: